Maria de Lurdes Barata
Fumar ou não Fumar
- Que te provocam aquelas imagens horríveis dos maços de tabaco? Qual achas pior? Foi-me dirigida esta pergunta. Eu sorri e repliquei:
- O que me provocam as imagens? Nada! Nunca as vi! Não olho! E uso há muitos anos um estojo para maços de tabaco. E nunca quis olhar as imagens. Devem ser horrorosas, sim. Mas não vejo.
Agora desenvolvo o sentido da minha resposta. Vai para a amiga que me interpelou e vai para quem me ler.
Deduz-se logo que sou fumadora. Venho dum tempo em que o vício tabágico não implicava avisos de perigo. Fumava-se em todo o lado: cafés, restaurantes, transportes, etc. Estava errado, mas ninguém o entendia como tal. Não se sabia dos malefícios do tabaco. Mas era agradável aquele fumo subindo em circunvalações diante do olhar pensativo, ou durante o intervalo em que se quer acalmar, calma ilusória, é verdade, que se demorava no tique do gesto lento do cigarro que se levava aos lábios.
Qualquer um com mínimo de senso não defenderá hoje o acto de fumar. Mas eu continuo fumadora. É opção minha. Vieram os estudos, as conclusões. Compreendido. Vieram as proibições de fumar em recintos públicos fechados. Compreendido. Vieram as proibições de fumar em certos cafés. Não me ralei. Entrei e não fumei. Foi opção minha. Há os restaurantes e cafés onde se pode fumar. A entrada de não fumadores é opção deles. Inacreditavelmente, ouvi alguns vociferarem: «Gosto deste café e devia ser proibido fumar em todos os cafés!» - eis o velho egoísmo, a velha intolerância, até o fundamentalismo que, por vários motivos, desencadearam e continuam a desencadear guerras. Estão naquela linha quem decide o que é justo sou eu, de acordo com os meus interesses – é pensamento próprio de ditadores e de opressores, frequentemente mascarados de cordeiros defensores do bem comum. Sonsos e hipócritas. Vêm proibições de fumar em frente de hospitais e escolas. Tudo bem. Não me afecta. Vou fumar para outro lado… Mas nunca me esqueci daquela do Mayor de Oklahoma, que espalhou caixotes-contentores de tantos em tantos metros nas ruas do seu orgulho de cidade para os fumadores, proibindo o fumo ao ar livre. Tem muito que se lhe diga… Nunca fumei junto de pessoas para quem o fumo era incómodo, às vezes por problemas de saúde, sendo visitas da minha própria casa. O fumador que se preza é assim.
Mas voltemos às imagens chocantes dos maços de tabaco, que o poder enquadra em publicidade preventiva. Prevenção pelo terror, que pode revestir-se do efeito de boomerang: conseguir o contrário do que pretende. Há pessoas vulneráveis, negativistas, que podem até deixar de fumar, mas, porque são influenciáveis (como, por exemplo, um hipocondríaco), as imagens podem instalar-se na mente. Segundo quem sabe, o pensamento negativo é o pior veneno para o sangue. Pensar muito numa doença, tornar-se obsessão, não pode acabar por provocá-la?
A decisão das imagens chocantes vem da mão tentacular dum poder que se arroga de tutor, zelador…Todavia, o pior é o facto de utilizar imagens de pessoas em estado terminal, que são reconhecidas, com surpresa, por familiares que não foram ouvidos… Ainda correm na internet os testemunhos revoltados. Nem acrescento os comentários devidos.
A MATÉRIA DE QUE SÃO FEITOS OS SONHOS de Henrique Garcia Pereira oferece-nos (numa obra de força em riqueza cultural e em dimensão humana) as reflexões sobre um percurso dos homens com o fumo, que é a matéria dos sonhos, a arte de fumar, a escolha de fumar por um livre arbítrio assumido. São palavras do autor: «Cada um sabe como quer viver (e morrer) e tem a liberdade de escolha entre o cancro de amanhã, provocado pelo cigarro de hoje, e outra morte qualquer (incluindo o cancro), provocada por outro agente inidentificável hoje. E a escolha que se tem de fazer é profundamente pessoal e reflexiva, não podendo caber a nenhuma ‘instituição’ (por mais meritória e abstracta, como o Cirurgião Geral dos Estados Unidos) ou ‘autoridade’ (encarregada de vigiar e denunciar os transgressores ‘desviantes’) o papel de fiscalizar a composição do conjunto de riscos que as pessoas estão dispostas a correr(…)». «(…) Hoje em dia não há nenhum fumador que tenha a menor sombra de dúvida sobre os reais, efectivos, insofismáveis e atrozes ‘malefícios do tabaco’. Então, o prazer de fumar implica um risco que cada um assume em plena consciência. Mas a sociedade contemporânea é feita de riscos (…)». Há uma anedota que corre por aí (a que Garcia Pereira também faz referência) : «Um indivíduo compra um maço de tabaco e repara que diz: Fumar causa impotência sexual. O homem volta para trás e diz ao dono do quiosque: Não me pode trocar por um daqueles que provocam o cancro?»
Em Portugal seria mesmo catástrofe económica se todos os fumadores abandonassem o vício – imaginemos os milhões perdidos, porque o aumento progressivo do preço do tabaco deixa a maior percentagem nos cofres do Estado…
Falei do poder abusivo dos governantes e da sua irrisória preocupação com a saúde dos fumadores, começando pela UE e pelos Estados Unidos da América. Porém, vejamos como põem a Terra a fumar poluição com um olhar complacente de permissividade e vejamos a submissão (por medo?) ao louco Kim Jong-un da Coreia do Norte que testa bombas de hidrogénio 50 vezes mais potentes que a de Hiroshima.
Fumar está dentro da lei. Opção minha: continuar fumadora. E para o franzir da testa dos tendenciosos lembra-me logo uma canção de Maria Betânia: Eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser (…) mas cada um tem seu jeito…