Lopes Marcelo
O ENTRUDO
Prosseguindo na divulgação das nossas tradições genuínas, aborda-se hoje o Entrudo dado que o Carnaval passou há pouco tempo. Nas nossas aldeias, era assinalado com refeições mais fortes, onde abundava a carne de porco e vinho. No Domingo Gordo, fazia-se a despedida da carne, pois que a Quaresma estava à porta. Nas actividades do campo e nos divertimentos, cantava-se:
O Entrudo já vem perto
O Entrudo já vem perto
Já vem chegando à ribeira.
Carregado de almtrias(1)
Já não acha quem as queira.
Ó entrudo, ó entrudo,
Ó entrudo batateiro.
Juntaram-se os homens todos
A roer palha num palheiro.
Ó entrudo, ó entrudo,
Ó entrudo maravalha(2)
Juntavam-se os homens todos
Num palheiro a roer palha.
Já se nos vai o entrudo
Cachopas deixai-o ir.
Lá virá a Festa das Flores
Que ele tornará a vir.

Nas comunidades rurais, o carnaval sempre foi oportunidade de crítica social ao que durante o ano tinha saído da rotina de forma mais ou menos escandalosa e que era comentado em surdina, passando de boca em boca em tom jocoso. O ponto mais alto era o chorar o entrudo. Um grupo de homens mais folgazões, bem disfarçados, ao serão da véspera e na tarde do dia de entrudo, decidiam quais as famílias a criticar. Um dos homens aproximava-se sorrateiramente da casa escolhida. Outro, escondia-se numa esquina próxima, enquanto os restantes observavam ao longe troçando em altas gargalhadas. Então, o que estava na esquina, em voz alta destorcida, perguntava: olha lá?. Respondia o que estava junto à casa: o que é que foi?. E perguntava o primeiro: então não é verdade que o Tonho deixou fugir o porco da banca da matação?
Retorquia o segundo: é verdade sim senhor! É bem verdade!
Foram tantas as facadas
E o pobre do animal não morreu.
As pessoas fugiram assustadas
Com os berros que o animal deu.
Junto a outra casa, repetiam o processo, gritando:
- Olha lá?
- O que é que foi?
- Então não é verdade que a Ti Rosa deixou queimar as filhós?
- É verdade, sim senhor! É mais que verdade!
No caldeirão ao lume
O azeite esturricou.
Nas filhós mal fritas
Ninguém tocou.
Junto a outra casa, voltavam a gritar, interrogavam e concluiam:
- É bem verdade, sim senhor! É mais que verdade!
Andaram todos à zaragata
Mas a culpa não foi dela.
Julgavam que comiam cabrito
E comeram cadela.
As choradelas de entrudo terminavam quando de dentro da casa, passada a surpresa, surgiam os visados em gestos ameaçadores.
Ao fim da tarde, fazia-se o enterro do entrudo. Os homens mascarados de mulher, as mulheres vestidas de homem e as crianças imitando animais, organizavam-se em desfile trapalhão e ensurdecedor, com a ajuda de grandes funis e batendo em latas. No final, era lido o testamento do defunto, de forte crítica social, pois que tendo morrido podia assumir todas as verdades.