Edição nº 1633 - 8 de abril de 2020

José Dias Pires
A ESCOLA EM CASA: REDESCOBRIR OS DESAFIOS DA FLORESTA

Há poucas semanas pais, avós e educadores não imaginavam que se aproximava o tempo de um regresso compulsivo a casa, que os levaria a um sequestro voluntário, acompanhados por um conjunto de pequenos gnomos, no qual iriam descobrir como era a realidade dentro da floresta onde todos os dias entregavam (depositavam) os seus filhos ou netos e que, tantas vezes de forma menos justa, criticavam.
A maioria, temendo ser presos pelos duendes saudosistas das aulas à moda antiga, deixou-se seduzir pelo espírito da floresta, enfeitiçado por todas as bruxas e magos possíveis e imaginários, e começou, se bem que timidamente, a balbuciar: «Abençoados professores.»
Nestas poucas semanas, que podiam pesar como anos, mas que paulatinamente se foram transformando em maravilhosas sequências de instantes repetidos, pais, avós e educadores puderam conhecer o desconhecido universo a bordo de uma nave espacial; a cidade perdida no vale profundo e descobrir as moedas do pote de ouro escondidas para lá do arco-íris. Conheceram a casa invisível da floresta; os segredos das fadas e dos magos (a que antes não se atreviam a designar por professores) e os anseios daqueles pequenos seres mágicos que lhes mostraram os seus trágico-cómicos feitiços de amor e desamor, fundamentados em ilusão ou no contrário.
Por um não desejado acaso, acabaram por ser confrontados, de forma mais continuada e próxima, com o universo da floresta encantada que a escola sempre foi e do qual se tinham esquecido. Algumas vezes, depois de uns momentos mais cansativos em que se obrigavam a ter de agarrar a escola e, com ela, todos os gnomos desejosos de novidade, já conseguiam dizer, quase num desabafo: «Abençoados professores.»
Começavam a sentir o que era, e como era, o dia a dia na tal escola de gnomos, duendes, fadas, magos e também de algumas bruxas (na maior parte boas), que caminhava três trimestres inteiros e uma noite, rumo ao norte.
Agora, era em casa que se respondia aos desafios da floresta: atravessar o Abismo das Almas; rodear a Montanha das Tentações; trepar, sem medo, ao monte da Noite para chegar, por fim, ao Vale de Todos os Rostos.
Ouviriam por lá, tudo que os dias lhes quisessem dizer, sentados nas primeiras pedras iluminadas pela luz do sol de todas as manhãs. Chegada a noite, descansariam serenamente, evitando pensar em quase tudo o que lhes disse o dia.
Dormiriam debaixo das macieiras, sem temer a confirmação de Newton. Depois, sempre antes dos primeiro raios do sol das manhãs seguintes, percorreriam todos os trilhos que passavam ao lado de todas as ruínas de todos os templos, para chegar ao rio.
Numa cascata, o rio aclamaria a calma agitada dos que tinham saído da floresta, para que pudessem seguir. Chegariam, por fim, à terra dos Dez Homens que guardam, para si, a Passagem Para o Outro Lado da Planície. Seria então necessário utilizar tudo o que os dias lhes ensinaram e pensariam em voz alta: «Abençoados professores.»
Iriam ser levados para a Sala das Janelas de Olhar para Dentro, obrigando-se a usar como prova, tudo o que os dias lhes deram e o rio lhes ensinou.
Penduradas na parede estavam as Sete Chaves. Em frente ficava a Porta da Passagem e nenhum dos pais, avós e educadores, pôde dizer que lhe viu, claramente, a fechadura.
«Mostrai!», disseram os Dez Homens.
Primeiro, os pais, avós e educadores apresentaram as pedras que tinham recolhido dos rios acompanhados dos seus gnomos. Foram reprovadas.
Tentaram, em seguida, explicar a importância do brilho dos pequenos cristais que recolheram no caminho, e como eles podiam iluminar as sombras e as pontes. Mas os Dez Homens submergiram-nos na água e, aparentemente diluídos, perderam relevância e foram também reprovados.
Foram obrigados a descrever, em coro, as sínteses da noite e a relação completa das maravilhas das margens dos rios, mas foram ignorados.
Percebiam que na escola em casa, mesmo que conseguissem responder aos desafios da floresta, nem todos iriam ser capazes de vencer o tempo ou os Dez Homens que Guardavam a Passagem Para o Outro Lado da Planície. Contudo, não fugiriam, nem se dariam por vencidos: voltariam, de novo para a escola em casa (também ela transformada na floresta encantada que a escola sempre foi), carregando às costas os conhecimentos, as vitórias e as derrotas sempre necessárias.
Tinham começado a aprender como é importante agarrar o tempo na escola, porque, apesar de tudo, ainda há tempo de ser professor, porque é sempre tempo de se ser aluno.
Nestas poucas semanas tinham compreendido que a mais sábia das vitórias é a que decorre das guerras nunca declaradas e já não temiam gritar, abrindo as janelas: «ABENÇOADOS PROFESSORES!».

08/04/2020
 

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