Elsa Ligeiro
LER EM TEMPO DE FÉRIAS
Os livros são objetos portáteis que aguentam o sol, o vento e a areia; vencendo com larga margem qualquer tecnologia digital.
E convém recordar que a Leitura é sempre uma escolha consciente e individual. E que o tempo que cada um decidir dedicar à Leitura em tempo de férias é, claramente, um reconhecimento pessoal do poder da Leitura como fonte de informação e conhecimento.
Seguramente as suas escolhas para as férias já estarão feitas; e como leitor em construção que se orgulha de ser terá mais olhos que barriga; arrastará consigo uma dúzia de livros com o otimismo próprio de quem parte para férias com a missão de ir em busca do tempo perdido; incluindo o da Leitura de livros oferecidos ou recomendados por críticos e amigos que ainda não teve tempo sequer para ler a badana.
Longe de mim causar-lhe algum constrangimento, mas, se ler esta crónica até ao fim, saberá que o meu aconselhamento é na direção de quem pensa que no ano de 2025 há assuntos sérios a tratar; e que a Leitura, sobretudo de livros nucleares da história da literatura portuguesa pode ajudar, e muito, a encontrar uma luzinha ao fundo do túnel.
É por ter esta opinião que renovo o conselho de ler “O Delfim”, obra-prima literária do século vinte português, editada em 1968.
Porque se assinala em 2025 o centenário do nascimento de José Cardoso Pires, numa aldeia do concelho de Vila de Rei, na Beira Baixa; mas, essencialmente, porque é um romance onde o nosso país ainda pode (e deve) confrontar-se com a sua história de antes e pós-revolução de Abril de 1974. Um livro de uma escrita prodigiosa, de um autor que encarava a Literatura como um assunto sério e relevante,
(o que me faz lamentar que muitos dos atuais e bem visíveis autores portugueses apenas ambicionem contar histórias que agradem aos “seus” leitores; e tenham como projeto de carreira literária a participação em festivais literários ou em múltiplas sessões de autógrafos, em vez de procurarem merecer a honra de serem herdeiros de autores que fixaram, e para sempre, o seu tempo; continuando a narrativa que herdaram dos que os antecederam).
Que José Cardoso Pires se tenha isolado na Serra da Estrela, na “Casa do Salto do Lobo” (propriedade do seu amigo e editor António Alçada Baptista), para dar corpo a uma geografia pantanosa que retrata o fascismo nas suas vertentes mais institucionalizadas, onde o poder se herda sem qualquer conquista e o povo se vai domesticando para as funções pretendidas e prosaicas de alimentar um país com um só dono, é apenas a cereja no topo do bolo que a Literatura do século vinte conseguiu oferecer à História de Portugal.
Ler José Cardoso Pires em 2025 pode ser um desafio importante para quem se sente, como eu, perplexa e triste com a situação atual em que novos paradigmas põem em causa as muitas e difíceis conquistas de cinco décadas em Portugal.
Mais que um passatempo, a leitura de livros como “O Delfim” (aviso que há poucos); e que na edição da Relógio d´Água conta com um prefácio de Gonçalo M. Tavares; é um investimento para a compreensão de parte da História de Portugal.
E se o livro a/o entusiasmar (como espero), leia ainda o conto “Dinossauro Excelentíssimo”; também de José Cardoso Pires: uma fábula sobre a ditadura de Salazar num humor inteligente e corrosivo, editado no volume “A República dos Corvos”.
Há ainda um livro que pela novidade e singularidade não posso deixar de recomendar, porque se pode ler (e ver) em família com grande prazer; digamos, um “livro intergeracional”, de Cristina Carvalho e José Manuel Castanheira, da editora Guerra & Paz, de maio de 2025, que tem como título: “Fabulário ou o pequeno circo do mundo”.
Vinte e uma fábulas e histórias oníricas num livro que encerra com uma dedicada a dois visionários: Júlio Verne e António Gedeão: “Verne e Gedeão na barca filosofal para mais uma tentativa do movimento perpétuo”.
Para o bom leitor, o título já diz muito sobre o seu conteúdo.
Boas Férias com Boas Leituras.