Maria de Lurdes Barata
O TEMPO CORRE: FIM DAS FESTAS
O céu apresenta-se de carapuça cinzenta e as casas, escurecidas, alegram-se levemente com o toque rápido no interruptor da luz eléctrica, necessária em pleno dia. Uma chuva ininterruptamente teimosa escorrega pelas folhas das árvores, tornadas brilhantes, pingando para um chão de charcos lamacentos. Foi este o quadro meteorológico das Festas, a de Natal e a de Passagem de Ano. A de Natal, que celebra o nascimento do Menino, mas se constrange com os menos 12% de nascimentos de meninos portugueses. A de Ano Novo, 1 de Janeiro de 2014, um primeiro dia do ano, que é Dia da Paz, mas que não dá a paz dum futuro mais promissor.
Todavia, já se desfazem os presépios e se desmancham as árvores de Natal. Há ainda indícios do esplendor perdido nos laços coloridos meio desmanchados e nos restos de papel com estrelas e paisagens aconchegadas de neve. «Passou o stress que sempre vem nesta altura» - disse-me uma amiga. É verdade, concordo. Apesar da alegria, apesar da espécie de interregno no quotidiano para viver mais especialmente os afectos, o stress da época natalícia, que se vive mais na perspectiva pagã do que na simbólica ou na religiosa, advém duma trepidação de compras e de preparativos, pondo a descoberto o lado cansativo da quadra. No entanto, fico mais uma vez meio atónita com a rapidez do já passou, o galope do tempo [É o cavalo do tempo a galopar… / Ninguém pode detê-lo.(…), diz Torga num poema sobre o tempo, que intitulou «Apocalipse»], a sensação de um dia destes estamos outra vez no Natal, vem-me à lembrança o tudo é foi de António Gedeão, vem-me à lembrança um texto de Júlio Dinis, que correu anos nos manuais de português com o título «O desfazer do presépio», com um narrador que designava de fatal 6 de Janeiro o dia de Reis, em que se desfazia o presépio: «com o teu anoitecer, anoitecia-me o coração. Voltava a vida normal, os bancos das aulas (…)».
Raras são as pessoas das minhas relações que fazem presépio. Hoje visitam-se grandes presépios construídos por colectividades, artisticamente conseguidos, mas o que está no hábito são as árvores de Natal imitando plasticamente os pinheiros da floresta, guardadas em caixas para o ano seguinte. Dão-me satisfação estas imitações, sempre tive pena que se derrubassem tantos pinheirinhos para uns dias de enfeite dos humanos. Nem calculava, li uma vez, que eram aos milhares os que se cortavam na época natalícia. Não sei se ainda é assim.
O voltar à vida normal pode ser calma rotina, que não é decerto calma no tempo que vivemos neste século XXI, e mais concretamente em Portugal. De tal maneira que chegaram logo, no dealbar do Novo Ano, as prendas do Governo: Cortes, Sacrifícios, Injustiça das Medidas, com a nossa revolta impotente. É mesmo fim de festa. O retorno à rotina veste-se de escuro como a meteorologia. E penso sobretudo naqueles que não podem voltar a uma rotina de trabalho, porque não têm trabalho.
Contudo, a digressão a que me entreguei veio deste sentimento do tempo a correr, parece que ainda ontem foi o Natal de 2012 e já passou o de 2013! Por isso, agora quero apenas entregar-me à paz (mesmo que paz inquieta) da sala aquecida, ouvir a chuva lá fora, no dia escuro, com os jornais na mesa, as revistas displicentemente folheadas, olhando as luzes da árvore de Natal que vou apagar.