13 de abril de 2016

Antonieta Garcia
BONITO E ACONSELHÁVEL ERAM AS SAIAS TRAVADAS QUE TRAVAVAM TUDO…

Nos anos 60, os jovens eram yéyés. Cada país tinha os seus, mas o rock, o twist a par de slows e outras músicas de charme, ouviam-se na rádio, dançavam-se nas boîtes, nos bailes que, na universidade, adquiriam o nome de convívios. Os pick-up estavam democratizados, cada grupo elegia músicas ao sabor das circunstâncias.
Nas vozes juvenis soavam, também, canções de contestação e resistência; inquietações quotidianas, desejos de mudança e esperanças cantavam-se em demanda de novos tempos. A ditadura, a guerra colonial contavam com a oposição de jovens; fossem de esquerda, filiados em movimentos cristãos ou outros, a guerra colonial afligia, a tortura de presos políticos alarmava, a ditadura com o seu cortejo de desventuras era maldita; por isso, o discurso político anunciava uma mudança de valores, a crença em doutrinas revolucionárias povoava o quotidiano. O es-querdismo estava na moda, e o cardápio era extenso: marxistas, estalinistas, trotskistas, maoístas, anarquistas e cristãos revolucionários consideravam-se salvadores de um mundo corrupto. A fraternidade era o laço mais que perfeito. Greves a refeições nas cantinas, as comemorações do Dia do Estudante, do 1º de Maio, criavam um sentimento novo de liberdade, uma festa rebelde.
Estremeciam os pilares de poderes seculares. A juventude protestava na rua, era proibido proibir, desde maio de 68, em França. Intervinha a polícia, cantava-se: Heróis do mar / nobre povo, Nação valente… O hino obrigava a paragem, continência e durante o canto ganhavam-se forças para outra corrida à frente das autoridades. Durante algum tempo, funcionou… Conhecida a estratégia estudantil, a polícia há de ter tido ordem para ignorar as cerimónias que o hino nacional requeria. Era a revolta de jovens, uma agitação que descia à rua para protestar contra tudo.
Inclusive na imagem; eles usavam longos e irritantes cabelos; elas ripavam-nos e, se não saltava o colchão dentro do penteado, como poetava Filinto Elísio, certo é que o esfregão de arame servia para encher melenas e aumentar o volume das cabeças. As calças eram à boca-de-sino, as camisas à TV, as saias de terylene; os blues jeans desbotados e tão operários exasperavam os mais velhos. A minissaia, mais tardia, era motivo de muitas reprimendas. Bonito e aconselhável eram as saias travadas que travavam tudo: da língua ao pensamento e a qualquer anseio de passo largo e determinado, pouco feminino. Associadas a sapatos de salto muito alto, essenciais à elegância, a magoar que se fartavam, o fato saia e casaco inspirava o comportamento, a atitude. A maquilhagem, nos anos 60, já não era pecado.
Talvez fossem minoritários, estes jovens; mas eram muito visíveis. Um traço de identidade comum era discernível: antibur-gueses até à medula. A burguesia era defeito e crime. Não custava nada perder o pé, mesmo entre camaradas de grupo. Para já, frequentar a Universidade significava tudo menos fraternidade proletária. E as conversas atingiam níveis surreais:
- Olha lá e se limpasses as unhas?
Resposta em tom severo: - Quem limpa as unhas são os burgueses. Os camponeses e os proletários trazem-nas sujas.
- Bom, mas é do tipo de trabalho… Quem trabalha na terra…
- És uma burguesa detestável…
E não havia insulto pior do que este, dito com a arrogância de quem encontrara o modo de matar o burguês que germinava em cada um! E se virar folhas de livros não profanava unhas e cabelos esquecer preceitos de sanidade era forma inventada pelos mais esquerdistas dos esquerdistas para mostrar solidariedade…
As fotografias da época são documentos importantes para aferir estes brios e preconceitos.
O desencanto veio depois da mais linda revolução de abril. Os protagonistas envelheceram, os amanhãs não cantaram, as utopias emudeceram abafadas por poderosos mercados, pelo espetro do desemprego, pelos offshores e paraísos fiscais onde quem pode deposita os milhões que lhe sobram. Pelo refinadíssimo gosto de calar quanto tem? Por ser a quinta-essência da economia global em liberdade democrática?
Por ser parolo pagar impostos no país de origem? De quem e por que desconfiam os donos de tanto dinheiro?
Certo é que sabem os caminhos das leis e o molde da sua elaboração para que tudo seja legal; que importa se é necessário chutar a ética, que nem todos têm a honra de conhecer, para baixo do tapete, e tornar os pobres cada vez mais pobres?
Ouvi um dia, num julgamento de um preso político, durante a ditadura, o advogado de defesa, Vasco da Gama Fernandes - primeiro Presidente da Assembleia da República, após o 25 de Abril -, parafrasear Willy Brandt afirmando: Somos anarquistas aos 18 anos, comunistas aos 20, e aos 30, 40 para sermos social-democratas sabe-se lá o que custa… Ainda será verdade? E quem será capaz de inventar outro abril para humanizar a humanidade? É que anda por aí tão boa música, na voz desta nova geração…

13/04/2016
 

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