Lopes Marcelo
Centenário de tavares proença júnior
Quando a Gazeta chegar às mãos dos leitores, estarão quase a completar-se cem anos sobre a morte de Francisco Tavares Proença Júnior, fundador do nosso Museu, que ocorreu a 24 de Setembro de 1916. Há quem entenda que o tempo, a passagem do tempo, é um “escultor” muito especial que permite revelar a verdade histórica de forma clara, sem as paixões ou os jogos de interesses que enquadram o ambiente das ocorrências. É nesta óptica que eu me coloco.
A vida de Francisco Tavares Proença Júnior foi curta, viveu apenas trinta e três anos, mas muito intensa. Ainda bastante jovem adoece de tuberculose, muito disseminada no país durante o primeiro quartel do século passado. Tendo nascido numa das famílias mais ricas e notáveis de Castelo Branco, teve possibilidades de se tratar na Suíça. Fica marcado por uma saúde frágil e de carácter sonhador. O facto de não prosseguir os estudo, originou para a sociedade da altura, certa imagem de menino mimado, temperamental, preguiçoso e algo inconsequente. Contudo, os estudos e as explorações arqueológicas apaixonavam-no e a eles se dedicava de forma intensa e empenhada, contrariando a vontade de seu pai que o queria ver formado em Direito.
A opção de abandonar o curso de Direito, consta de carta a seu pai, em 16 de Fevereiro de 1907, conforme se transcreve: ”– Abandonei porque reconheci que estava perdendo o meu tempo... Há um único meio de chegar a fazer alguma coisa e é dando largas às minhas tendências naturais, abraçando um estudo da minha predileção (a arqueologia)... Não dou por mal empregado o tempo dedicado ao estudo de assumptos, embora banais à primeira vista, mas úteis sob todos os pontos de vista, que nos nobilitam e nos elevam...Foi essa orientação do meu espírito, muito de estranhar na minha idade, que fez com que eu não imitasse a maioria dos rapazes que passam a sua mocidade em dissipações da saúde e do património, na devassidão mais completa e imperdoável...Comparo-me a outros rapazes da minha edade e vejo que não tenho vivido nas borracheiras, não tenho passado o meu tempo nas casas de batota, nem na athomphera enfermada dos cafés...E apesar de vêr que muita gente aquilata de banaes os meus estudos e trabalhos, eu vejo que elles me deram atrevimento para em Perigueux (Congresso de Pré-história) me apresentar ao lado das primeiras sumidades do mundo na minha especialidade, de affirmar deante d´ellas as minhas convicções e as conclusões a que me tem dirigido um trabalho aturado e sério. A minha consciencia ficou satisfeita e ainda o ficou mais quando a França, que sabe comprehender o valor dos trabalhos do espírito me veio galardoar com uma distinção honorífica como trabalhador que em vez de passar as suas horas nos bailes, nos theatros ou nas tavernas, as tem passado sentado à banca ou investigando e estudando o que lhe dizem os archivos e as ruínas”.
Para quem, como eu, se tem debruçado nos últimos meses sobre a sua vida e obra, das muitas horas de leituras e de pesquisas, impõe-se uma primeira evidência: o jovem arqueólogo era determinado e sabia muito bem o que queria. Foi da sua determinação e capacidade de trabalho que resultou a criação do Museu, que ele fundou, organizou e ofereceu à cidade e à região. Mas, esta vertente da implantação do museu será partilhada com os leitores em próxima oportunidade.