Valter Lemos
A Europa e a estupidez
As eleições em Itália foram ganhas pelos partidos populistas e a extrema direita. À partida não seria demasiado preocupante num país que nos últimos sessenta anos teve, em média, um governo por ano. Mas a Itália é agora (com a saída do Reino Unido) a terceira economia da União Europeia e o estado político a que chegou é bem representado pelo facto de Sílvio Berlusconi já aparecer como um político razoavelmente equilibrado e uma esperança de alguma sensatez face às demagogias do movimento 5 estrelas e às tiradas xenófobas e fascizantes da Liga do Norte.
O movimento nacionalista e antieuropeu que começou a crescer neste início do terceiro milénio parecia dar sinais de abrandar, após algum esfriamento britânico com o Brexit, mas, afinal, mostra-se novamente em forte crescimento. Neste momento vários dos ex-países de Leste são governados por partidos nacionalistas e em alguns casos de muito duvidosas convicções democráticas. Vários países do centro e norte da Europa são governados por partidos de direita com orientações bastante extremistas e a Itália parece agora ser o próximo a entrar nesse grupo.
A contrariar o alastramento dessa mancha nacionalista e populista está, ainda, o eixo franco-alemão. Apesar dos avanços dos extremistas, Macron ganhou em França e Merkel na Alemanha. Mas a ameaça é notória. As dificuldades são grandes, bem mostradas pela longa gestação do novo governo alemão, numa aliança central entre o centro direita de Merkel e o centro esquerda do partido social-democrata, que constitui um cerrar de fileiras das forças pró-europeias, mas, que coloca muitas dúvidas quanto á evolução política futura na Alemanha.
A França e a Alemanha constituem o esteio do projeto europeu. A alteração de forças a favor do nacionalismo, em qualquer destes países, pode significar o princípio do fim de tal projeto. A força política resistente parece ser o centro-direita (democratas-cristãos e conservadores), dado que a esquerda e o centro-esquerda parecem varridos do mapa político europeu (com a extraordinária exceção de Portugal, que se apresenta, com bons resultados, em claro contraciclo político).
Os partidos socialistas e sociais democratas desapareceram, ou quase, na maioria dos países europeus. Mas, tal não pode deixar de colocar grande perplexidade. Afinal a Europa é a zona do mundo onde os direitos sociais encontram maior expressão. É a zona que melhor assegura o direito à saúde, à educação, à segurança social, etc. Esta situação foi politicamente conseguida ao longo da segunda metade do século XX através de governações de orientação social democrata e cristã democrata. O bem-estar europeu, invejado pelo resto do mundo, foi construído pela social-democracia e pela democracia-cristã. Os extraordinários avanços sociais dos países nórdicos devem-se na sua quase totalidade aos sociais-democratas. Também o desenvolvimento económico e social alemão, bem como o francês e o britânico se devem ao compromisso histórico entre a social-democracia e a democracia cristã. E que dizer do renascer social e económico, no final do século XX, de países como Portugal e a Espanha?
Não há dúvida que a memória dos homens é curta. Os beneficiários da zona socialmente mais desenvolvida do mundo, ou seja, os que detêm mais direitos sociais em todo o planeta, deitam fora as ideologias e os partidos que lhes deram esses direitos e lhes asseguraram o seu usufruto.
O projeto europeu funda-se num compromisso histórico entre a social-democracia e a democracia-cristã e é, sem dúvida, o maior espaço político e social de democracia, liberdade, paz e prosperidade que o mundo já teve em toda a história. Muitos europeus parecem comprometidos em acabar com ele sem que aparentemente se veja que possam obter outras vantagens em troca.
Sou dos que sempre pensaram que a melhoria da educação das gerações traria um melhor entendimento do mundo e uma maior resistência ao obscurantismo e consequentemente uma maior compreensão das vantagens da democracia e da paz na vida dos homens e das sociedades. Provavelmente estava enganado ou, então, teria razão Einstein quando dizia que só havia duas coisas infinitas, o universo e a estupidez humana, ainda que não tivesse total certeza quanto à primeira.