Fernando Raposo
ANTÓNIO, ENTENDA ISTO COMO UM DESABAFO DE NATAL
Caro António,
não leve a mal, tratá-lo assim, pois o assunto de que lhe quero falar é “coisa comezinha”, e sendo eu membro da mesma “agremiação”, já há muitos anos, estou certo que não me interpretará mal.
O interior do país, começando lá em cima, em Bragança, passando por aqui, de onde lhe escrevo, até lá em baixo, por todo o Alentejo, continua a perder gente. Os jovens partem, alguns em direção ao mar, onde este rebenta em turbilhão e outros para outros sítios muito longe daqui.
Ficam apenas aqueles que, sendo jovens, não estudam e não têm trabalho ou então aqueles que por vários motivos, tendo estudos, acabaram por ficar “agarrados” a uma caixa de supermercado ou fazem umas horas num qualquer call center, e os que já não são novos aguardam que chegue a sua vez de partir.
É o destino!
O António entender-me-á:
- Precisamos de inverter esta situação, antes que seja demasiado tarde.
Agora que é quem manda, o António tem de dar um jeitinho a isto. Claro que a criação de um ministério não fica mal, mas mais importante ainda seria ajudar as empresas a fixarem-se aqui no interior, não apenas aonde eu vivo, mas em todo o interior, de Bragança até lá em baixo, onde o país roça a fronteira com Espanha.
Quem sou eu para dizer ao António como é que isso se faz?!
Sei lá!... Talvez reduzindo os impostos, comparticipar nos custos de instalação, reduzindo os custos de energia, de capital, etc., etc. O António sabe melhor do que ninguém. Se assim não fosse, não se dedicaria à política e muito menos seria primeiro- ministro.
O que é que tudo isto custaria comparado com os milhares de milhões com que o povo, também o daqui (de todo o interior) já teve de pagar para salvar a banca e os banqueiros.
E olhe que não foi coisa pouca, António. Fala-se para cima de 18 mil milhões de euros. É muito dinheiro!...
Precisamos muito de emprego, qualificado, como de “pão para a boca”. Só assim será possível fixar os jovens no interior.
Não chega apenas atrair investimento privado, é necessário que as instituições públicas, e em particular as autarquias, deem o exemplo, criando emprego.
Muitas, pelo menos algumas que eu conheço, criaram o mau hábito de recorrerem sistematicamente ao “outsourcing”, modernice inventada sabe-se lá por quem e com que intenção. Se se tratasse de uma necessidade pontual, ainda é como diria o outro! Agora para necessidades permanentes faz todo o sentido criar postos de trabalho estáveis, tantos quantos os que forem precisos.
Não, não falo em “atafulhar” as autarquias de gente!...
Como deverá compreender, não podem, ou melhor, não devem os senhores autarcas reclamar investimento privado para criar emprego e fixar jovens nos seus concelhos e depois eles não dão o exemplo, preferindo recorrer a essa modernice de que lhe falei há pouco.
Imagine o António que agora para substituir uma lâmpada ou reparar o soalho de uma escola é preciso recorrer a uma empresa de trabalho temporário, porque a autarquia já não tem eletricistas nem carpinteiros para reparar aquilo que é seu. Sei que o exemplo é exagerado, mas o António compreenderá o que eu quero dizer e não deixará estar de acordo comigo.
Nós, que somos socialistas, devíamos lutar pela criação de emprego estável e justamente remunerado. Só desta forma os jovens poderão fixar-se por cá e constituir família.
Isto pode parecer “coisa muito comezinha”, mas é também assim que se assegura o futuro da Pátria.
E já agora António, julgo que não será pedir-lhe de mais, dê lá um jeitinho nas portagens. Esta que passa aqui pela minha terra, a A23, ainda foi mandada construir pelo nosso camarada António Guterres e ainda houve um tempo em que não tinha custos para o utilizador. A chatice da crise deitou tudo a perder e para quem por aqui faz vida e dela precisa para se deslocar, a conta no fim do mês ainda é muito pesada. E olhe que o mesmo se diz em relação às autoestradas do interior A22, A24 e A25.
Dê la um jeitinho!
Seria uma maneira de compensar os custos que as gentes do interior também pagam para reduzir o preço do passe único que o António criou para as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Eu sei, todos nós sabemos, que o país não tem tanto dinheiro assim para custear tanta despesa, mas ao menos poderia fazer alguma coisa para eliminar a despesa em excesso.
Por exemplo, reordenar e racionalizar alguns dos serviços públicos que em muitos casos estão subaproveitados.
E olhe que não é sensato que todos os anos se gaste mais do que aquilo que se recebe para custear a despesa pública corrente e a carga fiscal sobre os cidadãos e as empresas já está no limite do que é suportável.
António, entenda isto com um desabafo de Natal.