Edição nº 1623 - 29 de janeiro de 2020

Celinha
A CELINHA E TRILEMA DOS FAZ-DE-CONTA

Se a minha família tivesse uma alcunha seria os Faz-de-Conta.
Passo a explicar: o meu pai faz-de-conta que ouve quando está a ler o jornal mas não responde a nada do que se lhe pede só diz “está bem está bem”. Já o enganei duas vezes com essa faz-de-contice e ganhei dois gelados. A minha mãe faz-de-conta que aceita o que lhe pedimos com um “sim sim”, mas depois faz sempre o que ela bem entende. O meu irmão faz-de-conta que estuda mas o que ele gosta mesmo é de jogar à bola e de jogadores e futebol percebe ele muito. Eu faço de conta que sou invisível para que não me chateiem muito mas acabam sempre por me descobrir a sombra.
E é assim que nós os Faz-de-Conta cá vamos vivendo cantando e rindo embora com vários lemas que nos preocupam. Eu explico: o meu pai tem faz-de-conta um problema nas costas é o que ele diz e não pode carregar coisas pesadas isto é levar-me às cavalitas “ó Celinha tu já tens dez anos e as minhas costas não aguentam”. A minha mãe tem faz-de-conta um problema nas mãos e diz que não me pode ajudar nos trabalhos de casa que me pedem na escola e que eu gosto de fazer sem erros que é para poder ser professora ou desenhadora de moda ou a nova Mourinha do futebol feminino. O meu irmão tem faz-de-conta dois problemas que é um dilema e dos grandes: é sportinguista e joga nos juniores do Benfica de cá e não sabe se há de continuar ou não a ser jogador de futebol. “Já sei passo a usar cuecas verdes” diz ele para resolver o tal dilema. Eu faz-de-conta que não tenho nada que me preocupe isto é um lema ou um dilema como os outros cá em casa todos têm mas tenho. Tenho mais que um lema ou um dilema. Tenho um trilema! Passo a explicar: quando me perguntam o que quero ser quando for grande digo que quero estudar no IPCB para ser uma de três coisas: professora porque gosto de ensinar; desenhadora de moda porque acho que tenho grandes ideias para vestir modelos e treinadora de futebol porque quero ser a Mourinha do futebol feminino. Estão a ver? Isso é que é mesmo pior: eu querer ser uma destas três coisas sem sair de Castelo Branco. Aí é que está o trilema: os meus pais não me ajudam nem me explicam como é que vou aprender a ser professora se no IPCB acabam com a escola onde se aprendia a ser professor e agora vai aprender-se na escola que era das artes; como é que vou aprender a desenhar moda se agora isso se aprende na nova escola onde se formam os professores e não se chama de educação e ninguém sabe se vai chamar-se de artes ou assim; e como é que vou aprender a ser a Mourinha do futebol feminino se agora no IPCB o curso de desporto é na escola de saúde e eu tenho pavor dos enfermeiros, das injeções e do sangue e assim. O meu irmão faz-de-conta que se armou em sabichão e deu-me a solução: “Ó Celinha quando chegar a altura emigras!” “Eu?” “Sim, tu!” “Mas eu não tenho jeito para falar estrangeiro!” “Tens sete anos para aprender a falar bem o português.” “Mas português não é estrangeiro! E sete anos porquê?” “Daqui por sete anos se não for já agora vais ver que nalgumas universidades e institutos politécnicos se já tiverem todos escolas novas ou se ainda os houver o português bem falado é mesmo uma língua estrangeira.” “E emigro para o Brasil é? Mas eu quero estudar ao pé de casa.” “Não nada disso!” “Então emigro para onde?” “Emigras para a Covilhã que é ao pé de casa e lá na universidade não misturam alhos com bugalhos.”
“Ó pai estás a ouvir o mano?” O meu pai faz-de-conta que ouviu e disse “Está bem está bem.” “Ó mãe estás a ouvir o pai?” E a minha mãe faz-de-conta que ouviu e disse “Sim sim.”
Com tantos faz-de-conta cá em casa e no IPCB estou bem tramada no futuro!

29/01/2020
 

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