Edição nº 1652 - 19 de agosto de 2020

Lopes Marcelo
AO NOVO PRESIDENTE DA CÂMARA, O GRITO DE UM MORTO!

Partindo das importantes descobertas realizadas no Monte de São Martinho, Francisco Tavares Proença Júnior foi como um farol a iluminar os vestígios do nosso passado como comunidade albicastrense.
Arqueólogo reconhecido, com contactos e prémios internacionais notáveis no Portugal do inicio do século XX, seguindo o exemplo dos mestres arqueólogos franceses do seu tempo, assumiu como sendo o seu maior projecto de vida, a criação e a organização do Museu em Castelo Branco, partindo da sua enorme colecção arqueológica. Com enorme coragem e generosa dedicação, empenhou-se nos estudos de arqueologia, sacrificou a sua formação universitária e, apesar de uma saúde débil, dedicou-se incansavelmente aos trabalhos de campo, na recolha e estudo de peças e artefactos antigos, tendo publicado dezenas de artigos de interpretação e divulgação. Prosseguiu incansavelmente o seu projecto de Museu para Castelo Branco, praticamente sozinho, mal compreendido pela sociedade da sua época e pela própria família, que na senda de abastados antepassados, lhe destinava uma distinta carreira política.
A sociedade albicastrense da primeira década do século passado era muito conservadora e pré-conceituosa, dominada por uma estrutura social marcada por famílias de grandes proprietários rurais. Pontuava uma elite pouco esclarecida, concentrada nos seus interesses e empenhada em intensas disputas partidárias, desligadas da cultura local e do desenvolvimento do território e das suas gentes. Francisco Tavares Proença Júnior rompeu com estas amarras, lançando generosamente luz sobre o passado e tendo uma forte visão de futuro. Foi um visionário, questionador das normas e sonhador de novos projectos e desígnios. De facto, ainda muito jovem, com uma forte personalidade e vontade própria, tomou nas mãos o seu destino condicionado pela pior doença do seu tempo - a tuberculose - que o obrigou a vários tratamentos na Suíça e o marcou na maior parte da sua curta vida, pois o vitimou bastante novo, com trinta e três anos de idade, a 24 de Setembro de 1916.
A muito significativa dimensão social e cultural do seu contributo, a enorme importância do seu legado de que resultou a afirmação fundacional da arqueologia regional materializada no seu Museu oferecido a Castelo Branco, não se desvaneceram no tempo, mas antes, esbatidas as rivalidades políticas e sociais da sua época, mais se valorizou e engrandeceu, conforme ficou bem patente nas iniciativas da comemoração do centenário sua morte, promovidas pela Sociedade dos Amigos do Museu. Contudo, sempre entendi que a justa homenagem se deveria situar para além dos eventos e palavras de circunstância, sempre transitórias. Neste sentido foi proposto em 2016 e a Câmara Municipal de Castelo Branco aceitou, que fosse realizado um busto de homenagem e de modo a perpetuar a sua memória no Museu Francisco Tavares Proença Júnior de que foi generoso fundador.
O busto do insigne doador e fundador do Museu foi encomendado, foi produzido, foi pago e recebido pela Câmara Municipal. E qual foi o destino dado a tal obra de arte que simbolicamente enaltece e celebra um dos mais notáveis albicastrenses? Não se sabe porquê, nem quais as razões ou desígnios culturais ou outros mas, de facto, foi remetido para arquivo morto, num escuro e esconso corredor das instalações da área não visitável da Biblioteca Municipal, onde repousa (certamente não em paz) esquecido, abandonado e incógnito há mais de quatro anos! Tem o novo Presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco conhecimento desta inóspita e absurda situação? Por quanto tempo mais se vai prolongar a imposição deste exílio cultural da sua casa e na sua própria terra?
Num fortuito encontro com o ilustre busto, numa esquina do escuro corredor, pareceu-me notar-lhe o esgar de um triste e silencioso grito de indignação que rasgou em sobressalto de revolta a minha memória da sua generosa personalidade e do seu legado colectivo. Só a minha? Também a da sua ilustre família! Também a de muitos outros cidadãos e cidadãs que valorizam a cultura e respeitam a memoria colectiva da nossa cidade! Também, finalmente, a consciência cívica dos responsáveis pela cultura na Câmara Municipal, certamente. Acredito que a esperança não pode deixar de fertilizar a cultura da cidade.

19/08/2020
 

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