João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
GOSTO DE LIVRARIAS, gosto de visitar as livrarias, onde se entra sem a obrigatoriedade de comprar um livro, onde a nossa relação com os livros pode passar, no momento, pelo folhear, pelo cheiro ou tão simplesmente pela leitura das badanas. Porque uma livraria é muito mais do que um local de comércio, uma livraria a sério, daquelas onde nos sentimos em casa, é também um espaço de tertúlia e muitas vezes espaço de fruição de diversas manifestações culturais. Finalmente, o prazer de ser frequentador de uma livraria passa também pela possibilidade de conversar com o livreiro ou com os colaboradores que são muito muito mais que vendedores. Tudo isto que acabei de escrever era o que eu encontrava nos anos 90 na livraria Ler Devagar, no Bairro Alto, já próximo do Príncipe Real. Uma aventura do livreiro José Pinho, uma casa onde recebia amigos, que eram todos os clientes, onde podíamos encontrar tanto as novidades literárias como aqueles livros que as editoras, na voracidade das edições, já tinha guardado em armazéns. E onde nos cruzávamos com personagens únicas como Luiz Pacheco, a viver num lar próximo, que fazia da Ler Devagar o seu pouso diário. Um dia, o senhorio decidiu pôr o prédio em obras (que nunca se executaram) e a Ler Devagar teve de procurar outros espaços. Espalhou-se por Lisboa e até chegou a Óbidos. E no Chiado restaram a FNAC, agradável, confortável, a Bertrand cada vez mais cheia de turistas a tirar selfies na visita à livraria mais antiga do Mundo e a histórica Sá da Costa transformada em livraria de usados. José Pinho saiu do Bairro Alto, mas o seu coração continuou lá. E ao coração juntou o seu espírito de aventura para criar, A Casa do Comum. Todo um edifício que reúne livraria, bar, cinema, música, num espaço que ele já não viu aberto porque a morte o levou em junho.
Não é fácil a vida de um livreiro em Portugal. Um inquérito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa revelou que, nos últimos 12 meses anteriores à recolha de respostas, 61 por cento dos portugueses não leram um único livro. O estudo aponta para a existência de uma relação entre a educação e os hábitos de leitura, já que, na sua infância e adolescência, a maioria dos inquiridos não beneficiou de estímulos à leitura gerados em contexto familiar: a grande maioria dos inquiridos assume que os pais nunca os levaram a uma livraria (71 por cento), a uma feira do livro (75 por cento) ou a uma biblioteca (77 por cento). E 47 por cento assumem que os pais nunca lhes ofereceram um livro e 54 por cento afirmam que nunca lhes leram um livro de histórias. São números que traçam um retrato negro dos hábitos de cultura em Portugal, pois as práticas culturais associam-se bastante às práticas de leitura. O futuro pode não ser tão negro, pois o trabalho da Escola que nunca é demais valorizar, está a modificar este panorama e a fazer crescer claramente os hábitos de leitura entre os jovens, futuros visitantes das livrarias, das feiras dos livros e outros eventos culturais. Por tudo isto admiro igualmente a capacidade de sonhar, o amor pelos livros, a vontade de criar e a determinação dos editores e livreiros da nossa terra, RVJ, Licorne e Alma Azul, estas últimas também pela especial aposta na poesia.
NO DIA EM QUE ESCREVO, UMA BOMBA ATÓMICA caiu sobre a política nacional, sobre o Governo, com a abertura de um processo crime a António Costa e a prisão de figuras que lhe são próximas. É um ciclo que se encerra, novos políticos e políticas vão entrar em cena e destaco a nobreza com que António Costa se despediu do palco que ocupou durante oito anos.