Edição nº 1828 - 24 de janeiro de 2024

Elsa Ligeiro
25 ANOS DA ALMA AZUL EM ALCAINS

A Alma Azul celebra com algum orgulho os vinte cinco anos de trabalho (1999-2024) que partilha com dezenas de Bibliotecas de todo o país.
O grande investimento da Alma Azul nos seus 25 anos de existência foi a abertura de uma Livraria em Alcains, onde, na primeira década do século vinte e um, mais que uma Livraria, a Alma Azul criou um espaço cultural que nada deve em programação às melhores livrarias do país: com exposições de fotografia, tertúlias sobre temas de interesse local, trabalho sério com as Escolas e até um concerto de guitarra que o álbum de fotografias da produtora de atividades culturais testemunha.
Mas se fosse necessário destacar uma das realizações com mais significado literário nestes 25 anos, sem dúvida que as Viagens com Escritores, organizadas em parceria com as Bibliotecas Municipais de Castelo Branco, Penamacor e Fundão estariam no topo da lista.
E de todas essas viagens realizadas em grupo; com alunos, professores ou só leitores da obra dos escritores; a de Eugénio de Andrade realizada entre Póvoa de Atalaia e a cidade do Porto, a mais comovente.
Eugénio de Andrade já se encontrava mal de saúde e o encontro com o poeta apresentava-se uma tarefa difícil, mas, após uma delicada insistência com a mãe do Miguel, que o cuidava e lhe transmitiu de viva voz de onde vinham os que o esperavam, ele desceu para o Encontro.
A sua entrada no pequeno auditório da Fundação que os seus amigos criaram e, infelizmente, não conseguiram preservar; pareceu-me na altura demasiado encenada, o que comprovei nas palavras de Carlos Mendes de Sousa quando as li, mais tarde, na Revista Relâmpago: “Na casa que recebeu o seu nome, no Passeio Alegre, continuaria a abrir as portas, incrementando encontros, agora apoiado pela estrutura da Fundação que programa as sessões. Eugénio entra por uma porta tapada por um cortinado: uma espécie de palco de um pequenino teatro. Levanta-se o pano, abre-se a sessão…”, escreveu o professor da Universidade do Minho e estudioso da obra de Eugénio de Andrade.
Foi essa cena teatral que o grupo da Beira Baixa presenciou no dia 16 de junho de 2002.
A expectativa de todos era grande e, sem grandes perguntas, Eugénio de Andrade narrou a versão do seu nascimento na aldeia de Póvoa de Atalaia; falou do pai que nunca teve (ou reconheceu) em tom firme e com um julgamento doloroso da sua ausência; mas num encolher de ombros (e uma ponta de amargura na voz) retirou-o rapidamente da sala para se fixar, mais uma vez, na sua mãe coragem (não o serão todas?) que lutou por ele com uma força que não se cansou de classificar de heroica.
Ao falar da mãe as lágrimas correram-lhe pela face, recordou-a ainda em Póvoa de Atalaia a acompanhá-lo noite e dia com as mãos e o olhar; confirmando-nos as palavras de uma outra autora que um dia declarou: “quem guarda uma infância na memória tem material para uma vida literária”.
Os mais velhos na sala reconheceram nas palavras de Eugénio de Andrade também a sua infância; quando o poeta recordou o sol, a figueira, o rebanho, o ribeiro e as longas tardes de estio que o acompanhavam em Póvoa de Atalaia.
A mãe, nessa Beira Baixa de excessos (da miséria no inverno à fartura de frutos no verão); de muito sol e lume, recitava-lhe narrativas ancestrais de princesas e marinheiros; iniciando-o também na música, alargando-lhe os horizontes e rodeando de poesia o menino José Fontinhas que o mundo literário conheceria mais tarde como Eugénio de Andrade.
Foi fácil imaginar o pequeno José Fontinhas como o descreveu a “mulher de preto”, moradora de uma casa térrea em Póvoa de Atalaia, com quem o grupo conversou de manhã na aldeia, como um menino mimado pelo zelo excessivo da mãe; mas com as obrigações de todos os outros da aldeia. Com o seu mocho furado a meio para o dedo da mão o erguer do solo e o transportar ora para a cozinha do lume ora para a sombra da figueira; onde escutava o frenesim dos estorninhos e inspirava os aromas dos frutos que as árvores oferecem a troco de água.
A felicidade entrou de mansinho com o decorrer da tarde, enchendo de poesia a sala da Fundação.
No final do encontro com José Fontinhas (que quando me abraçou já era o poeta Eugénio de Andrade), uma rapariga de Penamacor lembrou-se de ir buscar cerejas ao autocarro que nos tinha transportado desde a Beira Baixa; e as mãos do poeta receberam-nas em concha como se recebe o oiro do dia.
E ele, tão pouco dado a manifestações de afeto com desconhecidos, não se furtou a sorrisos e ao trabalho de uma sessão de autógrafos; numa comunhão feliz, fazendo esquecer a fama que o precedia de pouco afável e por vezes até rude no trato.
O grupo da Beira Baixa saiu da Fundação Eugénio de Andrade, no Porto, como um bando de fiéis convertidos. Dispostos a dar testemunho desse momento singular vivido com o poeta de Póvoa de Atalaia; que se transformou nessa tarde de junho em património inesquecível da Alma Azul.

24/01/2024
 

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