Maria de Lurdes Gouveia Barata
CRÉDULOS, INCRÉDULOS E MALDIZENTES…
Nunca se mente tanto como em véspera de eleições,
durante a guerra e depois da caça.
Otto Bismarck
Victor Hugo, quando disse que «as palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade», tinha a consciência do poder que a palavra assume nas mais variadas circunstâncias da vida. Jogam-se palavras com boa ou má intenção no xadrez de eventos, que vão ao encontro de crédulos, incrédulos e maldizentes, estes normalmente os ressentidos em qualquer acto de viver. A frase de Otto Bismarck, que destaquei como epígrafe, enquadra-se nos dias de propaganda que os portugueses viveram nas recentes eleições autárquicas. Se me centro na mentira de mensagens e emails anónimos que circularam com a cobardia de quem se esconde atrás desse anonimato, é para exprimir o meu repúdio por aqueles que não olham a meios para atingir certos fins. Todavia, efectivamente, alguns destinatários recebem qualquer maldizer com excitação, prontos a acreditar no mal para espalharem a maledicência que os seus corações amargos lhe pedem. Os maldizentes estão prontos para compartilhar notícias que corroborem os seus pontos de vista amargurados, dentro de si cabe só o mal dos outros, independentemente de ser verdade ou mentira. Aplica-se o provérbio bíblico com que deparei por acaso: «a boca fala do que o coração está cheio» (S. Mateus), a predisposição para acreditar no mal, ou influenciar os outros com malevolência para os levar a acreditar, consoante uma má tendência pessimista ou mesmo sádica ou interesseira – conforme o caso que referi no início – o da propaganda eleitoral, elementos definidores de mau carácter ou de estamago danado, acusação de Marte a Baco, que queria prejudicar os portugueses (Os Lusíadas, Canto I, est. 39,Concílio dos Deuses): «Mas esta tenção sua agora passe, / Porque enfim vem de estamago danado, / Que nunca tirará alheia enveja, / O bem que outrem merece e o Céu deseja.».
Há os crédulos inocentes que acreditam em tudo, há os crédulos manhosos que só acreditam na maledicência, há também os incrédulos que nunca acreditam em nada, derrotistas, pessimistas, até masoquistas, se for o caso de desencadearem o seu próprio sofrimento, ou sádicos pelo prazer de causar sofrimento. Mas já Séneca dizia que «não se pode acreditar que é possível ser feliz procurando a infelicidade alheia». Ainda assim, é a memória dos mais ignorantes e tolos que retém as maiores calúnias.
O boato, sustentado pela força da palavra que anda de boca em boca, torna-se perigoso e as redes sociais são relevantes para a sua propagação. Que se procure a verdade e haja recolha informativa precisa-se. Como diz Diderot (hoje estou propensa a citações), «é tão arriscado acreditar em tudo como não acreditar em nada».
Há ainda a parte divertida dos crédulos que levamos à caça aos gambuzinos ou a quem pregamos qualquer partida que acaba em risota. Há a parte divertida dos incrédulos, os que duvidam de tudo, mesmo do que se mete pelos olhos dentro… Arranjam sempre uma justificação para duvidar. Lembro uma pequena história passada com o meu pai, que ele recontava sempre deliciadamente divertido. No ano de 1969, dia 20 de Julho, fiz uma seroada com ele, noite dentro, esperando ver o homem pisar a Lua. Era excitante a impaciência da espera, com o resto da casa dormindo e nós velando. Decorávamos os nomes Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins e assistimos finalmente ao passo gigante da humanidade com o homem a pisar a Lua e lembro a alegria do meu pai também fomos os dois testemunhas deste grande feito. Mas vamos à história que prometi: sucederam-se os comentários dos dias seguintes sobre o homem na Lua e eis um conhecido do meu pai: - O senhor não acredita nisso! O meu pai não perdia uma hipótese de humor: - O homem na Lua! Eu estive a assistir pela televisão! Mas não devemos acreditar?! E o outro: - Claro que não! O senhor viu? Viu o que quiseram que visse! É tudo falso! Põem lá o que lhes apetece! Eles até põem as salsichas a falar na televisão!...
Sempre achei esta história deliciosa. Era um incrédulo por várias razões que não é oportuno apurar agora. Mas que utilizou uma lógica utilizou…
No entanto, entre crédulos e incrédulos, a crítica deve centrar-se nos maldizentes…