Antonieta Garcia
O TEMPO DIZ-NOS COISAS...
Confessou-me um melro de bico amarelo, e de penas pretas, luminosas, cantador lírico, gorjeado, meu amigo de ambientes urbanos com os ninhos em tílias e outras árvores... que a força e a violência estão, neste tempo, em vias de extinção, quando se fala de mulheres.
Será? Meio século passado, por onde andou o nosso Abril de 1974? Foram tantas as vezes que o coração bateu tonto de tanta tristeza por não ser possível fazer mais e melhor...
Tínhamos medo... esse sentir maldito que também se ocultava, quando começavam a ouvir-se mulheres corajosas a contarem narrativas, jogos e cantigas que enchiam o chão, a eira, o terreiro, desde o sol da manhã até à noite em céu de veludo azul-escuro brilhante.
Convencido estava o nosso cantor lírico que o mundo mudaria tudo. Entre as mulheres (benditas sejam!), a violência e a força perdiam-se... A sinfonia era outra: chamava-se Paz.
Surpreendeu, porém, neste contexto, ouvir-se um nome estranho, a identificar um jovem que talvez valesse a pena ouvir e prestar atenção. Era um moçoilo com a barba aparadinha, o cabelo cortado de acordo com os cânones, trajava fato azul, a gravata espraiava-se em cores neutras... Sapatos “conservadores” de cabedal e sola à inglesa... completavam uma farpela que abria portas a qualquer instituição ou ministério.
Atente-se ainda no sorriso – nem de mais, nem de menos – enternecedor, novinho. Os colegas que o acompanhavam olhavam-no semidivertidos, meio cínicos...
O moço falava escorreitamente o português; modernaço, respeitava Acordos Ortográficos havidos, não tinha dúvidas ou raramente se enganava (há gente assim), na explanação de conceitos.
Entre encontros e encantos ia-se divertindo. Manteve, porém, o interesse pelo nome (...) e selecionou definitivamente o sobrenome Bogalho. Salvou a identidade familiar, de raízes nobres, e converteu-se aos republicanos.
Convenhamos que Bogalho é nome meio teimoso, mas quem se atreve a fechar os olhos e ouvidos a um jovem que parecia delineado em momento divino?
– É muito novo! Muito novo!
E lá está sentadinho à mesa de acordo com os protocolos. Em tempos de aflição, os pés não param e vemo-los dançar a valsa nervosa que mostra mais do que devia...
Entendemos todos a vantagem de Bogalho. Este jovem sem hesitações, foi para a capital, não equacionou os perigos e, de um pulo, ei-lo comentador televisivo. Desafia até os mais velhos...
- Vai longe! - augura o pessoal que o conhece bem.
Claro que sim e, assim, caiu nas graças do poder. Com as eleições europeias à porta, querem-no no primeiro lugar de listas partidárias.
Segredava o melro que não há mal que sempre dure, nem bem que se não acabe. Comove-se Bogalho! Uma lágrima fria pendurada no canto do olho pingava. O coração batia mais, tonto de tanta tontice. Bogalho de sua graça era também divindade e semideus, tantos foram os quilómetros de livros e de estudos afins. No écran foi Rei por lei?
Antes dos 30 anos, Bogalho está novinho em folha. E discursa em tom maior. As palavras em catadupa andam, desandam, correm para melhor descrever, sem perder o fio à meada. Até que as quinas da bandeira perderam a cabeça. Tresmalharam-se e com falta de ajudantes, de cinco sobem para sete... Era preciso acertar? Era!
O conhecimento das “cinco quinas” da bandeira portuguesa é essencial. Por razões que se sabem. Não se multiplicam. Nem os miúdos, na escola, confundem estes alhos com bugalhos. O tempo diz coisas...
Assim não vale!