Antonieta Garcia
Bruxas … que as há, há!
Vaguear pelos caminhos da Gardunha torna-se um desafio, um convite ao devaneio. Se lhe juntarmos um bom contador de histórias, na primeira pessoa, de bruxas, é entrar no jogo e… deixar-se seduzir pela palavra, perder-se. Na montanha, não sei por que união cósmica fica-se refém de um desejo ilimitado de sublimidade e de crença.
Fomos subindo, deixando para trás casas enfadadas, cheias de cansaços, em ruas sem serventia, que sugerem uma solidão que simultaneamente oprime e liberta. A fome de estar com o outro, o prazer do convívio atracou-se aos vivos. Têm todo o tempo do mundo e, puxada a língua, contam, numa linguagem genuína, acontecimentos… inquietantes, comoventes. Em 1980, ouvi esta narrativa “Como o meu pai andava doente, eu e mais o meu cunhado João andávamos a fazer a acarreja?.
Íamos acarrejando as pagelas pequenas de noite, e de dia acarrejávamos os rolheiros maiores. Ora, uma noite, quando chegaram as 12 horas, mais ou menos, fomos à Lameira Molhada onde tínhamos meio carro, trinta molhos de pão (centeio) para trazer. Pelo caminho da Fonte Velha, arriba, aí junto ao castanheiro do ti’ Manuel Peres ia uma pessoa vestida de branco atrás de nós. Quando estávamos a chegar à casa do Bento já ia outra, depois dessa casa já iam três.
Aos poços da Lameira Molhada contámos cinco. Na Lameira do Branco voltámos p’ra cima e elas começaram todas a balhar e a tocar uma música, como se fossem garfos a bater em garrafas de vidro, tim-tim-tim-tim-tim-tim…
Carregámos o pão e eu disse ao João que íamos a ter com elas com um afogueiro cada um, para lhes bater; ele não quis ir. Fomos direitos a elas com o carro; como lá tínhamos três cães apichei-lhos. Por mais que os assanhasse, eles arremetiam mas voltavam para trás com medo.
Elas quando viram que íamos direitos ao sítio onde andavam, começaram a desandar pela vereda afora, sempre tocando e dançando.
Nós viemos embora a caminho de casa. Estávamos muito longe e ainda as ouvíamos a tocar.
Em casa, meu pai disse que fizemos bem em não nos meter com elas, se lá fossemos com os afogueiros estávamos sujeitos a ficar mal. Que ele já uma vez tinha andado à lambada a uma e ela livrava-se de tal maneira que ele não conseguiu apanhá-la nem uma vez.
- Mas isto foi certo, não são coisas pensadas por ninguém.
Não acreditam? No final de vários relatos a abarrotar de convicções, nas encruzilhadas de um discurso que é interdito questionar, por que não crer por querer?
Por onde andam estas criaturas antes tão abundantes, lançadoras de bons e maus-olhados, que fazem recuar os cães e são videntes de sinas e temíveis?
Bruxas rurais, primitivas, desapareceram com a luz elétrica, está bem de ver. Onde há iluminação pública não é fácil encontrar tais pessoas em atividades duvidosas. Descobriam-se e a bruxa quer-se secreta para não perder o feitiço.
Se não desapareceram, mudaram-se para onde? Não sou de intrigas, mas creio que migraram para as grandes cidades e convivem hoje com gente de altíssima roda. Ganharam uma excelência que as faz ser íntimas de poderosos, aprenderam artes e partes que a todos deixam confundidos. Eclipsam carros de combate, papéis, pipas de massa, lançam o caos onde é preciso, adivinham quando comprar e vender ações, conhecem os offshores como a palma da mão… sem que ninguém veja ou perceba o sucesso de tais artimanhas. Em suma, apoderaram-se bruxas e bruxos de um saber tecnológico que facilita estas magias modernaças, eficazes e vigorosas. Não se vestem de branco. Preferem estilistas com nome na praça. Bailar? Que baile quem carece de outras destrezas e génio!… Quem sabe são eles… Certo é que o que fazem é de tal modo fantástico que as bruxas da Gardunha e do interior se tornaram simples aprendizas de feiticeiras…