9 de setembro de 2015

Antonieta Garcia
(Sardinha-2) - Pranto da Maria Paciência e do Zé Povinho...

Vimos aqui contestar este mal que nos consome. Andamos cheios de fome da sardinha portuguesa. Saiu das mesas há pouco, mas nem promessas consolam. As quotas tão pequeninas são ainda p’ra descer. Ai, Bruxelas, ai Bruxelas, deram as bruxas com elas?
Em terras lusas, juraram não mais se multiplicar; então e a palavra bíblica? Será que o mar português perdeu feitiço e encanto? Estamos num mar de pranto pela ameaça à vista.
Senhora Ministra do Mar, vossa excelência conhece aquilo que nos afronta. Presta-se a sua imagem (bonita, sempre moderna) a artista de telenovela; queremo-la personagem que embarca em caravela, num bote, num iate… sei lá!... Alargava o tracinho que separa o luso mar de outras águas mais fecundas, onde nada, sem parar, a sardinha que ansiamos… e trazia-a para cá. Era o happy end da história e ninguém, ninguém se ofende com narrativas de bem. Não custa muito, verá. Considere umas palavrinhas mais… e os povos entenderão, esta dor, esta aflição de perdermos o que é tão bom…
Tristes e desventurados, os lusos não querem crer, que se lhes vai o peixinho que alegra a festa de santos tão cristãos e incomparáveis, na corte celestial. E um fado enfadado, amargurado, tristonho, ouve-se à luz das estrelas. As cantigas a preceito enjoam dentro do peito, em junho de casamentos; há casais que se enamoram, em torno de uma sardinha. Ai, coitados dos que choram este sumiço assumido pelas quotas europeias. As mazelas já são tantas! A nós, pobrinhos de tudo, podem levar o linguado, o camarão, a lagosta e até a sapateira; e tirem-nos o salmonete, a garoupa e a pescada… Carpimos é a sardinhita tão lustrosa e saborosa que faz inveja a seus pares.
A petinga, os jaquinzinhos, quem os quer, quem os deseja? Os lusos! Na cidade e na aldeia há gente de boca cheia com migalhas que o mar oferece.
Já vendemos a aguinha, a luz, o gás, os transportes, bancos, proveitos afins; foram-se as joias da coroa, os anéis…edifícios muito nobres; quem compra sem contar moedas, tem visto gold e é fácil; aos pobres, só os dedos ficam, nuzitos de fazer dó; sobra a natureza amiga. O sol, não pode emigrar; as praias abrem-se a todos… até algum se lembrar de fechar portas de acesso a espaços paradisíacos; o dinheiro tudo compra. Cria-se um visto dourado e o chinês e o angolano não estão com mais aquelas: sem dar contas a Bruxelas, com a austeridade interna, compram o que vem à mão; o luso está louco, louco… doente do coração; não entende o que se passa, neste fado de desgraça que vai até à sardinha, bendita e tão baratinha que o pobre a comia a rodos… Inventámos o suschi, mesmo antes dos restaurantes a imitar o Japão. Sardinha crua, com sal, aberta, comida à mão, era petisco habitual. As sardinheiras sentavam-se, quando a caixa esvaziava; mordiam uma com gosto, que a vontade afiançava gozo certo e sabido.
Ai sardinha, ai sardinha, santinha tão benfazeja, não te afastes deste reino. Em má hora te viu Bruxelas, má hora foste aos mercados. São tantos os maus-olhados que afrontam as tuas águas que minguas dia a dia. Má ventura te persegue, que as barcas vêm vazias e as grelhas já enferrujam cansadas de esperar.
Estão as mesas nuazinhas do norte ao sul do país. Senhora de seu nariz, Bruxelas não ouve um ai. Chorai, sardinhas chorai, que não vereis a alegria, no ano que aí vem. Santo António e São João e o severo São Pedro hão de soar mais roufenhos. O vinho e a sangria, o palhete e o rosete conjeturam melhores dias.
A que vem da fria Rússia enjoa com a viagem; chega seca, congelada, e já não pinga no pão. Sem devoção portuguesa não entra na boa mesa de comensais de bom gosto. Triste a nossa desventura que em má hora vos vimos, vos comemos e sorrimos com tal acepipe a jeito!
Trocada pela entremeada, pela febra e pelo entrecosto, saiu triste do seu posto, enfraquecida, alquebrada e congelada… Parecem galos sem cristas ou com cristas empenadas, de galo enfermo e só.
Perdoe vossa excelência, Ministra que é do Mar, e imagem predileta da moderna pescaria e da agricultura jovem, este pedido de esperança… Se a imagem muda o conceito, enterrem-se as botas grossas e as galochas para já. Pescadores cheios de rugas e queimados pelo sol não motivam para a arte. Ora, com uma ministra juvenil, de salto alto, cheia de garra e atual… não convence a Bruxelas? Amargurados vivemos. Ficamos a ver navios a esconder-se em sete fúrias abraçados ao pitéu. Acudi aos nossos brados ou morremos de tristura, de quebranto ou de fraqueza… 0’ Senhores de Bruxelas fiai-nos mais umas sardinhas, rainhas da nossa mesa, nossas madrinhas do verão… Livrai-nos desta aflição!!!

10/09/2015
 

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