Antonieta Garcia
DAS FESTAS DE NOVEMBRO SABE O PADRE FONTES
Por terras de Montalegre, vence o Padre Fontes. Qual Halloween? Ali, prepara-se uma “Queimada” à portuguesa ou à transmontana, como preferirem. Trata-se de um licor feito com aguardente, açúcar, maçã e canela; bebe-se com prazer. A gula nestes dias não será pecado. As noites já são frias e é preciso aquecer o corpo e a alma. A “Queimada” para além de saborosa, cumpre a função. Experimentem.
A cerimónia inclui um esconjuro a preceito; maus-olhados e outros males havidos e a haver são desencaminhados por quem pode, e é um Deus-nos-acuda de alegria. Xarope excelente acompanha-se de palavras e de ladainhas, que também curam, na festa feiticeira.
Na noite mágica, garante a tradição, nunca se sabe os malefícios de que são capazes “mochos, corujas, sapos, bruxas, demónios, trasgos e diabos…”, espíritos medonhos… Diz-se que manobram feitiços, invejas e bruxarias que ceifam uma criatura em três tempos. Ficção? Sei lá! Mas que no dia 31 de outubro passeiam pela festa bruxas e bruxinhas, bruxos e bruxinhos, demos e criaturas diabólicas… não há dúvida. Fazem jus ao velho Sancho Pança quando diz: yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay. Blasfémia? Deixem-se disso; andam ali, basta ter olhos para ver.
Em banquete de arromba, nem faltam as comidas diabólicas, seja lá o que for que isto signifique; os jantares infernais oferecem-se recheados com animação gourmet. Não sabem o que é? Inventem, imaginem, deem largas à criatividade. Interroguem-se: Se fosse eu o que servia num jantar satânico? Aceitam-se receitas para galas futuras.
O Terreiro das Bruxas é o local de encontro dos convivas para o desfile; nas ruas personagens assustadoras e assombros tremendos querem-se à medida de gente que adere a celebrações excêntricas e esotéricas.
Olha! À volta da fogueira já bailam bruxas e outros magos possessos; como sói acontecer hão de voar, no final, empinados em vassouras seguindo sabe-se lá que caminhos. Acolá, abóboras riem-se sardónicas… Quem tem medo da festa que não expulsa a alusão a Finados? Esqueletos, caveiras, teias de aranha, morcegos, vampiros… enchem os olhos de presumíveis pragas e maldições, envoltas em rituais que, não fora o “Dom Bruxo”, e todos temeriam. É ousadia tamanha desafiar tabus ancestrais… Quem arrisca?
Vence o Padre Fontes. Mistura rituais pagãos, os cristianizados, e encena-os, soleniza-os, divulga-os, introduzindo sábios ingredientes. Em terras de Montalegre a noite não é de Halloween… ainda que os disfarces caibam, na festa.
Certo é que, nos últimos anos, a Noite das bruxas enfeitiçou os miúdos, os pais… e de conquista em conquista tornou-se mais famosa do que as festividades locais. “Doçura ou travessura?” é fórmula memorizada desde o Jardim de Infância. O dono da casa, após a interpelação, decide-se por uma ou por outra. Ou opta pela doçura, ou arrisca uma travessura que, no mínimo, se traduz em manchar a porta da casa com farinha, ketchup ou quejandos. Quem já aprendeu, guarda chocolates, bolachas, gomas…
E o Pão-por-Deus, quem lembra? Peditório velhinho obrigava, na Beira, à oferta do popular Santoro (do latim, santorum, ou dos santos) ou santorinhos, um pão/bolinho doce a que se associava, em casas abastadas, o vinho e outros pitéus.
Festa com muitos séculos respondia à redução da luz, do sol… pedia rituais. O temor das trevas e o intuito de bafejar a sorte das sementes ocultas na Terra, sob a jurisdição dos mortos, é momento crítico que exige cerimónias, a ingestão e confeção de manjares rituais de proteção comunitária.
Tempo de culto dos mortos, a bem da grei, era necessário afastar espíritos maus, festejar isenções de purgatórios.
Na Beira, os rapazes faziam fogueiras purificadoras, assavam castanhas, fruto da época, que acompanhavam com vinho. No dia de todos os Santos, pediam o Pão-por-Deus e maçãs, nozes, passas, tremoços, romãs… Os padrinhos ofereciam o santorinho.
Nestas andanças, um adulto e uma Coca – leia-se Côca – acompanhavam as crianças. E esta coca assustava os meninos, ainda em meados do século XX. Ninguém sabia como era, mas temia-se. No dia de pedir pão-por- Deus, caracterizavam-na como uma abóbora oca – que resiste - em que se talhavam três ou quatro buracos, imitando olhos, nariz e boca; colocava-se por dentro uma luz, uma vela… Em lugar escuro, assustava!
Representada como uma abóbora, era criatura pior do que qualquer homem do saco. Invocava-se para meninos que não queriam dormir, ou comer… Devorava os desobedientes sem deixar rasto. Do cimo do telhado da casa espreitava comportamentos. As mães, em canção de embalar, pediam/ordenavam: Vai-te Coca, vai-te Coca / Para cima do telhado. / Deixa dormir o menino / Um soninho descansado”.
Cocas eram, afinal, personagens temíveis que sobressaltavam sempre as crianças e que em dia do pão-por-Deus, disfarçadas de abóboras, as acompanhavam no ritual. Quem, na infância, não entra neste faz-de- conta mágico?
E hoje: quantos sabem o que é o pão-por- Deus? Que fazemos das tradições? Por onde andam as conotações religiosas das festas? Que significa o dia de Todos os Santos? E o de Finados?