José Dias Pires
OS BOSQUES QUE ARDERAM; O OBSERVATÓRIO DO FOGO E A TEORIA DA FRESCURA
Os bosques tinham lá dentro, mas agora, depois do fogo, já não têm, um montado de azinheiras onde, quem lá fosse, podia apanhar bolota doce; um montado de sobreiros com casacos de cortiça; uma floresta de carvalhos muito antigos junto à horta e ao regato que desaguava num lago sempre cheio de rãs e nenúfares. Lá, todas as manhãs, os coelhos e as libelinhas iam beber água e dizer bom dia a todas as aves vizinhas.
Logo logo ali ao lado estavam vários castanhais onde havia esconderijos para ouriços barrigudos, roliços e pontiagudos que adoravam comer castanhas antes de se irem perfumar aos imensos roseirais: os supermercados das abelhas e casa das joaninhas, que tinham como paredes, a separá-los do resto, enormes fetos gigantes cuja sementes vieram de terras muito distantes.
O bosques tinham lá dentro, mas agora, depois do fogo, já não têm, muitas fontes que secaram, centenas de túneis profundos onde andaram minhocas, formigas e toupeiras, e nas árvores bem escondidos, muito muito escondidinhos, tinha alguns milhares de ninhos.
O bosques, depois do fogo, o que tinham já não têm. Será que um dia voltam? Será que um dia vêm?
O OBSERVATÓRIO DO FOGO:
— A quem encontrares a correr no sentido oposto a um incêndio recém-começado, com um ar afogueado, mas não de susto, e nas mãos ou na cara esteja meio chamuscado como se viesse de um magusto, pergunta-lhe assim de seguida: «Quem és tu? De onde vens? Para onde vais? Que barulho é esse, de madeira pequenina, que faz o teu bolso?»
Se a resposta for: «Não tens nada com isso!» Fica desconfiado e não deixes nunca mais de o ter bem vigiado.
— Se encontrares alguém com um sorriso rasgado a olhar um incêndio televisionado, diz-lhe assim sem o deixares responder: «Olha ali, olha ali! Aquele que ali vai a correr, sem olhar para trás, não és tu? És tu mesmo, pois és, não há que enganar!»
Se ele fugir dali a sete pés, já sabes o que tens de fazer: é correr sem parar até alguém o agarrar.
— Se encontrares alguém a olhar para um fogo e a dizer entre dentes «Já estou vingado ou já o vinguei». Já sabes: ou foi quem mandou ou foi o mandado.
— Lembra-te sempre do que te vou dizer: na natureza só a uma coisa não se pode perder. Se perderes um fogo, procura o fumo e encontrarás o seu caminho. Se perderes a água, procura a humidade que a água, por certo, estará perto.
Mas tem cuidado: nunca percas a confiança, porque esta, uma vez perdida, é um deserto e dificilmente se volta a encontrar.
— Aprende a confiar em quem diz: «Gosto da luminosidade do dia, da cor do lume, mas sei respeitar a escuridão da noite iluminada pela luz fria da lua ou pelo calor guardado nos candeeiros. Gosto tanto de água, mas não quero ser bombeiro, por isso não desejo aprender a lidar com o fogo. Adoro estar ao sol e mais ainda: poder refrescar-me, sem medo, na sombra de um arvoredo.»
A TEORIA DA FRESCURA:
— Não há nada melhor que a manhã fresca, a tarde amena e a noite fria. As três acendem a alegria dentro de casa no fogo de uma lareira até ficar apagada num sono de cinza.
— A frescura da manhã perdura ao longo do dia à medida que a aurora, perfumada, se evapora.
— A frescura dá alento ao voo da borboleta, ao mergulho carinhoso de uma abelha sobre a flor, e dá ânimo redobrado a qualquer pássaro cantor.
— A frescura está no sabor dos frutos, no aroma dos sumos e alegra o paladar dos homens.
— Sabendo o que está em jogo, a frescura tem todas as cores menos uma: a da melancolia que é a cor sem cor que fica depois do fogo.
(Texto adaptado de “O Bosque da Alegria” — no prelo —