Lopes Marcelo
PANDEMIA, QUE FUTURO?
Nesta janela de apreciação crítica da nossa realidade, em face do tempo que vivemos, não podemos fugir à responsabilidade de valorizarmos o que é essencial, procurando contribuir para tornar mais claras as prioridades que importam a uma sociedade solidária, mais democrática e participativa. Desde logo, assumindo uma oportuna reflexão e questionamento que aumente a consciencialização e o empenho nas soluções com maior sentido de justiça e de dignidade.
Tudo o que nos acontece é vivido enquadrado no território a que pertencemos. O território é muito mais do que a vertente da geografia física, dos terrenos que nos rodeiam. Muito mais do que os recursos naturais, com as características de relevo, bacias hidrográficas, fauna, flora e aptidão produtiva; o território é o resultado da interacção dos povos que ao longo dos séculos o têm habitado, em comunidades enraizadas com a sua história, usos e costumes, os seus valores e símbolos, as tradições e instituições, num caldo de cultura que dá corpo à identidade cultural de cada terra e, ou, região. É paisagem humanizada que está em transformação, favorecendo as condições de vida das pessoas, ou afectando-as negativamente.
Na vertente da geografia física, a pandemia representam menor pressão humana sobre os recursos, arrefecendo as causas das alterações climáticas, libertando a natureza para o seu curso de renovação vital e de diversidade biológica, onde tudo é evolução e interdependência. Constitui uma lição de humildade para as pessoas alertando para que se pode viver com menos desperdício e em convívio com a natureza. Lição de humilde interdependência que abrange a vertente social, pois face a esta pandemia não faz sentido o individualismo, a competição do salve-se quem puder, de uns contra os outros. A única forma de proteger alguns é proteger todos, não importa se mais ricos ou mais pobres, se mais novos ou mais idosos.
Uma outra lição da pandemia que também tem a ver com o futuro do território é constituída pelos efeitos sobre os mercados. Não esqueçamos que têm sido os mercados a organizar os serviços e o território, desequilibrando-o quanto ao povoamento e à desertificação do nosso interior. O mercado distingue, diferencia, concentra, valoriza pelo critério do lucro dos negócios, gerando desigualdades estremadas. Na lógica dos mercados, é lógico e útil existirem ricos e pobres, territórios atractivos que concentram lucros e pessoas (consumidores), enquanto se geram territórios em processo de abandono, de fraco interesse para a lógica lucrativa dos negócios e que pouco a pouco, insidiosa e insistentemente, vai expulsando as pessoas de vastos territórios. Ora este vírus nada distingue, é transversal a toda a sociedade, dissemina-se mais nas áreas mais concentradas e desorganiza os mercados. Ao contrário da lógica selectiva do lucro e do consumismo dos mercados, este vírus não ataca o território e a natureza, antes nos devolve a espaços amplos e abertos, num desejado território equilibrado, ordenado de modo sustentável, onde se joga o futuro, pois é a nossa casa comum.
Esta pandemia está a parar e a questionar a humanidade. Oxalá que os decisores políticos, económicos e culturais estejam à altura dos desafios, sendo exigentes e empenhados em proteger o bem comum e o interesse colectivo.
E há tanto que alterar, muitas políticas concretas a prosseguir com responsabilidade e transparência. Deixo um exemplo que esta pandemia está a trazer à luz do dia. Existem novecentos lares ilegais no nosso país! É difícil existir um concelho em que não existam! Com é possível? Quantas autoridades fecham os olhos para que tenham surgido como cogumelos só porque havia mercado para tão delicada “mercadoria”. E, ainda, por cima, a Segurança Social sabe mas comparticipa! E se manda fechar, não tem autoridade para impor a decisão e lá continuam a funcionar meses e meses e até durante anos nas “costas” dos serviços de saúde, nas barbas das Autarquias Locais que têm obrigação de conhecer bem o seu território e de não actuarem em lógicas de clientelas, protegendo alguns interesses particulares em prejuízo do interesse público, onde se destaca a protecção dos mais desprotegidos e carenciados que são os nossos idosos, na sua grande maioria. Que tipo de desenvolvimento é o da nossa sociedade? Que sentido de justiça e de responsabilidade para o futuro?