Antonieta Garcia
ANTÓNIO VIEIRA E A ARTE DE REINAR
Ainda não foi desta! Presidente da República, mulher? Esqueçam lá isso!
Poucos entendem a arte de governar, os anos passam e António Vieira não perde paciência: paz e ciência.
Certo é que eu não acreditando em bruxas, digo com Quixote: que las hay, las hay...
Desde o tempo de Vieira que os sermões ouviam-se nas igrejas públicas e privadas, nos hospitais, em púlpitos construídos no exterior de templos; nas missões, na província, soavam vozes afinadas pelo diapasão do poder. O púlpito funcionava como opiniom maker, os media da sociedade de massas. Os olhos e ouvidos da Inquisição eram suficientemente dissuasores; esconjuradas as palavras proibidas, envolviam-nas nos tecidos grosseiros e sedosos. Antes de qualquer decisão relevante, ouviam-se os confessores que reputavam de maior inteligência. O jesuíta António Vieira influenciou D. João IV, foi conselheiro, diplomata e pedagogo do príncipe português. Na verdade, ao pregador da corte incumbia, frequentemente, a instrução de nobres, de gente da corte.
Lembrando os castigos divinos infligidos aos que se conduziam fora dos preceitos doutrinários ortodoxos, o pregador critica os políticos que estudam pelas “malícias de Tácito”; condena a burocracia a praga de papel selado responsável pelo atraso dos processos.
Ora os limites do poder real são analisados atentamente no Sermão do Bom ladrão. Por exemplo, explica: conquistar o arrependimento dos ladrões e dos que autorizam que pratiquem o mal, porque: “Nem os reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis.”
Pela boca do bom ladrão, o pregador censura a sociedade movida pela ganância e pelo luxo; o Sermão que referimos é proferido na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, símbolo de piedade.
Escolhe outros autores - São Tomás - , para ilustrar as palavras do pregador. Para a salvação dos ladrões, Vieira afirma ser necessário restituir o que roubaram; ensina que o cumprimento de penitências não é suficiente, por não anular o prejuízo causado, porque “não perdoa o pecado sem se restituir o roubado, quando quem o roubou tem a possibilidade de restituir”. Ora, ora. Quem não tinha?
A rapina, ou roubo, esclarece, “é tomar o alheio violentamente contra a vontade do seu dono: os príncipes tomam muitas coisas a seus vassalos violentamente e contra sua vontade; logo parece que o roubo é lícito em alguns casos, porque se dissermos que os príncipes pecam nisto, todos eles, ou quase todos se condenariam.”.
Avisa, também, para a responsabilidade do rei e da nobreza que detêm poder para pôr fim a muitos roubos. Mas quando exigem demais para as despesas do Estado, praticam o roubo e quem rouba, conclui, é ladrão. Voltemos a São Tomás de Aquino: “se os príncipes tiram dos súbditos o que segundo a justiça lhes é devido para a conservação do bem comum, ainda que o executem com violência, não é rapina ou roubo. Porém se os príncipes tomarem por violência o que se lhes não deve, é rapina, latrocínio.”
Reforça a afirmação mencionando Santo Agostinho que distingue: “os reinos são latrocínios ou ladroeiras grandes, e os latrocínios ou ladroeiras, são reinos pequenos”.
Advogado da doutrina social da Igreja avant la lettre, o Vieira diferencia, também, os ladrões por necessidade, dos ladrões por ganância. Se critica a ambos, tece diferenças essenciais. Serve-se das palavras de S. Basílio Magno: “Não são só ladrões, os que cortam bolsas ou espreitam os que vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos.”
Assevera que os reis são os principais responsáveis, porque dão ofícios e poderes aos que roubam, porque os mantêm nos lugares, porque os promovem, porque não obrigam à restituição. Defende ainda que os homens devem merecer os cargos que detêm; condena os que acedem ao poder através de métodos menos lícitos.
São os ladrões da alta esfera, os visados por Vieira.
Sátira enérgica às injustiças e latrocínios dos grandes, Vieira não teme; sabia que tinha inimigos, mas no púlpito evangelizava, convencia, perturbava, desafiava.
Por que me lembrei, neste tempo eleiçoeiro de Padre António Vieira, o autor do Sermão do Bom Ladrão? Sei lá!