João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
LEMBRAM-SE do Lusitânia Expresso, o barco que em 1992 fez uma viagem solidária para Timor-Leste? Organizada por estudantes de várias partes do Mundo, para denunciar o Massacre de Santa Cruz e a ocupação indonésia, mobilizou a opinião pública e a comunidade internacional a favor da causa timorense. O barco foi impedido de chegar ao território, devido à intervenção do país ocupante. A ação do Lusitânia Expresso conseguiu aumentar a consciência da situação timorense na Europa e nos EUA, pressionou as Nações Unidas e fortaleceu a causa da independência de Timor-Leste, que se concretizou em 2002.
Recordo este momento, numa altura em que nas televisões e nas redes sociais se discute, ridiculariza, achincalha e políticos mentem sem pudor para desvalorizar a ação e a coragem de todos os voluntários ativistas, entre eles quatro portugueses, que na flotilha humanitária quiseram levar ajuda (uma gota de água nas necessidades) aos martirizados habitantes de Gaza e, o principal objetivo, alertar o Mundo para o drama que se vive em Gaza, que muitos classificam de genocídio.
Em 1992, ainda não havia redes sociais onde se destilam ódio e mentiras quais esgotos a céu aberto. Em 1992 os portugueses eram um exemplo para o Mundo, mostrando-se como um povo solidário e de causas. Tínhamos políticos de vários partidos, da direita à esquerda, forjados na luta antifascista e fortes convicções ideológicas e de cidadania. E tínhamos o Presidente Jorge Sampaio que, nas Nações Unidas, viria a fazer um emocionante discurso de apelo ao fim da ocupação de Timor-Leste. E esta solidariedade, deverão estar recordados, foi belamente ilustrada por Luís Represas com a canção Timor. E o espírito solidário dos portugueses teve continuidade por muitos anos, com o apoio a estudantes timorenses, a meninas afegãs, a famílias ucraniana, sem esquecer a Plataforma Global para Estudantes Sírios, fundada por Jorge Sampaio.
Hoje seria isto possível? O que nos aconteceu para nos termos transformado num povo dividido pelo ódio ao outro, ao diferente, pelo egoísmo e falta de compaixão, insensibilidade às dores e dramas dos outros? O que nos aconteceu para que um líder político da direita radical, com alguma probabilidade de vir a governar Portugal, critique sem pudor, a preocupação dos ativistas portugueses por quem vive a milhares de quilómetros daqui? O que aconteceu a este país, para que um ministro desqualificado possa considerar como terroristas, apoiantes do Hamas, os quatro portugueses ilegalmente presos pelo governo extremista de Israel, a quem presta vassalagem?
Esta ação resolveria o problema da falta de alimentos e medicamentos em Gaza? Claro que não, nem isso nunca estaria nos objetivos dos ativistas. Mas resultou num movimento quase mundial de repúdio, com muitos e muitos milhares de cidadãos nas ruas de dezenas de cidades europeias, a exigirem o fim da carnificina de inocentes, o fim do genocídio. Por aqui, com as redes sociais a servirem de altifalantes dos populistas do costume, ainda há muito quem considere, que os quatro foram a bronzear-se em Ibiza e a banquetear-se com refeições de lagosta.
QUANDO TERMINAVA a escrita deste apontamento fui surpreendido pela triste notícia da morte de Fernando Paulouro. A cultura e o jornalismo da região e nacional ficam mais pobres. E também todos os amigos que tiveram o privilégio de conviver e trabalhar com o Fernando. Em nome da Gazeta do Interior e em meu nome pessoal, apresentamos à família as nossas sentidas condolências. Até sempre, Fernando!