Alfredo da Silva Correia
A JUSTIÇA OU INJUSTIÇA NO NOSSO PAÍS E A QUALIDADE DE CERTA LEGISLAÇÃO PUBLICADA
Quando reflicto sobre o estado da nossa nação não posso deixar de me sentir revoltado com a destruição de pessoas de bem, a partir de desempenhos ineficientes de certos jornais, do sistema de justiça e de certa legislação publicada, do que não deixará de resultar que os mais capazes se afastem da política, com consequências futuras nefastas no nível de vida do povo português, processo que temo já tenha tido o seu início no nosso país, como o está a ter noutros.
No âmbito desta reflexão, não posso deixar de referir, por exemplo, a lei 63/1993 que regulava as incompatibilidades dos políticos que, como o professor Daniel Bessa oportunamente afirmou, foi publicada para não ser cumprida. Acabou por sê-lo, apenas no distrito de Castelo Branco, em dois casos, ambos provando-se que nunca houve qualquer corrupção, o que se constituiu numa injustiça, já que pelo país fora e durante o tempo da sua aplicação, haveria centenas de casos semelhantes, o que não pode deixar de levar os autores da sua aplicação e divulgação a terem que sentir que cometeram uma profunda INJUSTIÇA, pelo menos se forem pessoas de bem.
De facto, não me parece legítima a descriminação negativa de sócios de uma sociedade que não tendo qualquer incompatibilidade legal, deixa de poder vender ao Estado, apesar de o fazer há décadas, por ter o azar de um seu sócio, ou qualquer familiar directo, que participe com 10,01%, venha a desempenhar um cargo político, o que até me parece ser inconstitucional.
Acontece que para comprovar a inconstitucionalidade de tal lei o facto de a mesma até já ter sido revogada e substituída pela Lei 52/2019 que, entre outros aspectos, no seu artigo 9º define os impedimentos dos titulares de cargos públicos, que de seguida transcrevo alguns dos seus números:
“2 - Os titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos de âmbito nacional, por si ou nas sociedades, em que exerçam funções de gestão, e as sociedades por si detidas em percentagem superior a 10 % do respectivo capital social, ou cuja percentagem de capital detida seja superior a 50 000 (euro), não podem:
a) Participar em procedimentos de contratação pública;
b) Intervir como consultor, especialista, técnico ou mediador, por qualquer forma, em actos relacionados com os procedimentos de contratação referidos na alínea anterior.
3 - O regime referido no número anterior aplica-se às empresas em cujo capital o titular do órgão ou cargo, detenha, por si ou conjuntamente com o seu cônjuge, unido de facto, ascendente e descendente em qualquer grau e colaterais até ao 2.º grau, uma participação superior a 10 % ou cujo valor seja superior a 50 000 (euro).
7 - De forma a assegurar o cumprimento do disposto nos números anteriores, os titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos e os seus cônjuges não separados de pessoas e bens têm direito, sem dependência de quaisquer outras formalidades, à liquidação da quota por si detida, nos termos previstos no Código Civil, à exoneração de sócio, nos termos previstos no Código das Sociedades Comerciais ou à suspensão da sua participação social, durante o exercício do cargo.
8 - O direito previsto no número anterior pode ser exercido em relação à liquidação e exoneração da totalidade do valor da quota ou apenas à parcela que exceda o montante de 10 % ou de 50 000 (euro), e, caso o titular do cargo não exerça qualquer uma das faculdades previstas no n.º 7, pode a sociedade deliberar a suspensão da sua participação social.”
Felizmente que, como se pode constatar nos nºs transcritos da lei, as sociedades em que os titulares de cargos públicos não participem, mas sejam participadas apenas pelos seus familiares deixaram de ser impedidas de vender ao Estado, como acontecia com a lei anterior, o que conduz a que nenhum dos casos em que foi aplicada a lei anterior, a nova lei já não se lhes aplicaria, o que reforça a INJUSTIÇA feita.
Acresce que como no nº 8 se define, quando o titular não utilize um dos instrumentos referidos, podem as sociedades em que participam, obviamente se o quiserem fazer, utilizar os instrumentos referidos, como seja proceder à liquidação, exoneração ou suspensão da participação detida pelo titular do cargo político corrigindo, desta forma, a inconstitucionalidade existente na Lei anterior e fazendo alguma justiça.
Defendo que tenha que haver regras, ou seja leis que separem os interesses públicos do dos particulares, ou seja dos gestores dos órgãos públicos. Mas tal é perfeitamente passível de ser alcançado, considerando-se que estes são normalmente colectivos, pelo que nada impede que uma lei afaste o titular político das decisões que envolvam empresas em que participe ou os familiares, pondo a decidir tal caso, os restantes elementos do órgão de gestão do serviço público respectivo.
Com uma solução destas resolver-se-ia um problema sem prejudicar os sócios de uma sociedade que não têm qualquer incompatibilidade e que por um seu sócio com apenas 10.01%, ou familiar seu, chegar ao desempenho de um cargo público, deixavam de ter os mesmos direitos que tem qualquer português, gerando-se para com eles uma forte INJUSTIÇA. É verdade que a nova lei já permite aos sócios que se sintam prejudicados suspender a quota do sócio minoritário, o que vem dar-lhes o direito de não serem injustiçados, mas tal suspensão nem sempre é de fácil aplicação.
Escrevo sobre esta problemática porque sinto que com leis daquelas se aplicadas em pleno, estaremos condenados a ser governados por incapazes sem experiência de vida, pois quem tiver tido alguma experiência e ter conseguido alguns bens, ou os seus familiares, não se sujeita à mesquinhes dos incapazes, avaros pelo poder para dele se servirem e pessoalmente conseguirem o que cá fora não foram capazes, o que não deixará de ter consequências na qualidade de vida do nosso povo. Por alguma razão somos um dos povos mais mal posicionados, no ranking das competitividades internacionais, o que não pode deixar de significar que, quantas vezes, a qualidade das leis publicadas não permite uma boa governação.