Edição nº 1669 - 16 de dezembro de 2020

Maria de Lurdes Gouveia Barata
UM NATAL COM LUZ DE NATAL, MAS DIFERENTE

É Natal! É Natal! É tempo de se ouvir a tradicional e batida frase. É ainda tempo de se ouvir o Natal é todos os dias, para os mais desligados da época, mas nem sempre os sentimentos evocados para a época natalícia são deduzidos pelas acções praticadas. Há muito para dizer sobre a solidariedade humana… Como diz António Gedeão em «Dia de Natal»: «Hoje é dia de ser bom. / É dia de passar a mão pelo rosto das crianças, / de falar e de ouvir com mavioso tom, / de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças. // É dia de pensar nos outros (…). O sarcasmo, no desenvolvimento do longo poema, traduz uma antinomia entre parecer e ser, pelas atitudes humanas.
Tempo de lojas. Há muito que o Natal se pratica na fúria do consumo. Tempo de luzes. Luzes motivadoras de bons sentimentos, de emoções ligadas à beleza. Deslumbram os olhos e o coração. Apaziguam. É forte a utilização do termo luz. A LUZ torna-se metáfora ligada à esperança: a luz ao fundo do túnel – o túnel é escuro e a luz ao fundo traz a libertação. A luz sucede às trevas, torna-se arauto de optimismo. Ver a luz ao fundo do túnel é esperar a vacina tão desejada para o Covid, é esperar ter luz verde para a sua aplicação…
A mãe dá à luz o filho, o filho abre os olhos à luz, à vida. Luz e vida estão em simbiose no acto de viver, porém determinam a oposição fechar os olhos à luz, que traz a morte e o fim. Curiosamente, fechar os olhos à luz pode ser interpretado como recusa do conhecimento, não querer ver, não querer ouvir. Conjuntamente, da discussão nasce a luz arrasta a ideia de que dialogar pode esclarecer, dar luz, dar conhecimento. A insistência no acto de conhecer está ainda presente no ter umas luzes sobre determinado assunto que vem fazer a defesa de não ignorar completamente, ter algum conhecimento.
A luz entra assim em glória. O próprio Deus manifesta-se em luz. Na luz reivindica-se a vida e a felicidade, ao contrário do que acontece com as trevas. Um período de trevas envolve-se de obscuridade de compreensão, de ausência de conhecimento, de medos, prenunciando castigos, perdição, morte. A luz associa-se ainda à força do amor, os enamorados sentem a sedução da luz do olhar recíproco, um olhar sem luz é um olhar sem vida.
Comecei pelas luzes de Natal e perdi-me em digressões sobre a luz. Mas ainda bem, porque era oportuno. Ao Natal associa-se a luz e a vida e a hipótese de renovação. É grande o encantamento pelas árvores de Natal cheias de estrelas cintilantes, fabricadas na tentativa de imitação, que piscam olhos nas montras, nas ruas, nas varandas, na intimidade dos lares e sei lá que mais…
Todavia, este Natal que continua a tradição das luzes, será um Natal diferente, com uma avaliação que projecta o receio, impedindo convívios alargados, perturbando a despreocupação e o à vontade dos ambientes de festas de família, de efusões afectivas, de conversas ciciadas com proximidade física. É um Natal para contar como história má do ano 2020, ou simplesmente esquecer… Mas em que momento futuro? Será tempo (como diz ainda o poema referido anteriormente de António Gedeão) de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Mesmo assim Natal. Mais um Natal que entretece ilusões no mais íntimo de cada um. O Natal que traz a presença do que é divino. Como diz Torga na 2ª estância do poema «Natal» (1974): «Natal da fraternidade / Solenemente jurada / Num contraponto em surdina. / A imagem da humanidade / Terrenamente nevada / Dum halo de luz divina.». Um Natal com a ameaça de guerra e mal estar com o Covid. A brevidade de mais um Natal, que um poema de António Salvado, do livro Tropos, nos deixa:

NATAL
Que nos trazes a não ser
lágrimas cada vez mais,
natal eterno a nascer
de outros natais…
Ligeira esperança que toca
os nossos olhos molhados
e o sangue da nossa boca,
amordaçados…

Ah bruxuleante luz
acenando ao longe em vão
e que a dor nos reproduz
em ilusão…
Ternura dum breve instante
que o próprio instante desterra,
morta no facto constante
de tanta guerra…

Mesmo assim Natal, repito. Mesmo assim momento de ternura. Natal com Luz, mesmo que seja de estrelas fabricadas.

16/12/2020
 

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