António Abrunhosa
O PROBLEMA DO 25 DE ABRIL
O problema do 25 de Abril é que não há um, há muitos. Desde logo, os que o fizeram tinham apenas duas ideias comuns: queriam um aumento de ordenado e o fim da guerra colonial, de que eram agentes e vítimas. Divergiam em quase todo o resto, como se viu logo com a distância entre Spínola e Otelo Saraiva de Carvalho ou Melo Antunes. Depois havia os que estavam melhor preparados para o aproveitar, os comunistas do PCP, que queriam “partir a espinha ao capital monopolista” e um regime de “democracia popular”, isto é, controlado pelo partido e o tentaram laboriosamente construir, contra os resultados das eleições posteriores. Paralelamente havia os grupúsculos maoistas, com Pacheco Pereira e Durāo Barroso, que queriam replicar cá a revolução cultural que matou mais de 50 milhões na China. E Louçã que queria uma revolução permanente. Mário Soares queria poder fazer um partido que reagrupasse os herdeiros da República e da Maçonaria e assegurasse as liberdades fundamentais duma democracia moderna. Sá Carneiro queria construir uma social democracia à imagem das escandinavas, que compatibilizasse as liberdades com a manutenção do tecido económico, que tinha assegurado a maior convergência de sempre da economia nacional com as europeias desenvolvidas.
Estes eram os que tinham vivido o 25 de Abril com alegria e esperança, mesmo se no MRPP havia quem achasse que caminhávamos para um fascismo disfarçado de social, com Castelo Branco a ter direito a um dos primeiros discursos oficiais com essa tese. À direita destes havia os herdeiros da ditadura que, com mais ou menos êxito, tentaram integrar-se na democracia que, entre golpes, contra golpes, atentados e eleições, se ia estruturando. Nos últimos 50 anos, a democracia afirmou-se a tal ponto que não há hoje qualquer força política relevante que reivindique às claras a limitação das liberdades fundamentais ou o desmantelamento das instituições que as garantem. Mas a democracia não é um fim em si, é um sistema político. Como disse Churchill, é o pior com exceção de todos os outros, mas o seu objetivo é conseguir compaginar as liberdades com o progresso económico e social dos seus cidadãos.
Nisso, o 25 de Abril mostrou as suas limitações, levando a distorções, erros clamorosos e disfunções na gestão da economia que levaram a que o país continue a ser dos mais pobres da Europa, ao contrário de outros que aderiram à Europa democrática muito depois de nós e que, sendo então mais pobres, são hoje mais ricos. Daí que a sua comemoração esteja cada vez mais polarizada na defesa das liberdades pelos que vêem ameaças reais ou imaginárias a essas liberdades, com o alheamento ou mesmo a hostilidade crescente de muitos descontentes com a estagnação económica do país, com consequências pessoais muitas vezes dolorosas, como o sabem os milhares de jovens forçados a emigrar ou a viver vidas eternamente adiadas para os amanhãs que já não cantam.
A melhor maneira de o comemorar é assegurar que a democracia cumpre a sua função fundamental, garantir um progresso económico e social real e visível para as portuguesas e os portugueses. Não vai ser tarefa fácil.