Maria de Lurdes Gouveia Barata
DISPERSOS
Começo por justificar o título atribuído a este artigo, porque vou abordar mais de um tema, uma vez que os assuntos que vão ser objecto da minha escrita teriam tido mais pertinência no artigo do mês anterior. Acontece, porém, que, na altura em que ocorreram os dois eventos que registo, já eu tinha enviado para a Redacção da Gazeta do Interior o artigo de Abril.
INAUGURAÇÃO DA LIVRARIA CAIXOTIM EM CASTELO
BRANCO, 11 DE ABRIL
A nossa cidade dispõe agora de um espaço privilegiado do livro, implicando a cultura que lhe subjaz, com a característica especial do elo que estabelece entre artes: livros antigos (do séc. XVI ao séc. XIX), livros raros, livros 1ª edição, livros edições especiais, manuscritos, 10 cartas originais de Jaime Cortesão, livros de História, monografias, livros sobre arte, com larga abrangência de temas e escritores e uma pequena galeria de artistas amigos (Júlio Resende, Paulo Ossião e Gisela Castro). Estive presente e a sensação que se tem é a de um espaço acolhedor, com um ambiente convidativo pela disposição dos livros e com acréscimo de objectos artísticos ligados ao livro e à leitura (dou exemplo de estatuetas e segura-livros de grande originalidade, objectos que, pessoalmente, muito aprecio e há alguma dificuldade em encontrar). Interessante: tudo está à venda, susceptível de realizar uma oferta de prazer para além do livro. As crianças não foram esquecidas e há um espaço que lhes é dedicado.
Nomeio os donos: o Dr. Paulo Samuel e a esposa, Dr.ª Priscila Cardoso. Paulo Samuel já é nome que muitos conhecem pela sua responsabilidade de trabalhar sobre o espólio do poeta António Salvado, em gabinete sito na Biblioteca Municipal António Salvado. A sua referência vai sendo alargada a cada vez mais albicastrenses, devido a destacar-se como organizador das Comemorações de Eugénio de Andrade (3 sessões), das Comemorações Camonianas (8 sessões), de apresentação de livros, de celebração do Dia da Poesia em Março de 2024 (3 sessões), tudo numa brilhante dinamização da Biblioteca Municipal António Salvado, só para exemplificar. Trouxe a Castelo Branco, durante as comemorações que dinamizou, nomes de professores e investigadores importantes a nível nacional. Priscila Cardoso está mais presente neste novo espaço da Livraria Caixotim e possui, como o marido, experiência de investigação e escrita, tendo o livro Filigrana Portuguesa, de que é autora, todo o interesse, como o prova a segunda edição deste livro também esgotada.
Esta Livraria Caixotim, que deve orgulhar Castelo Branco, torna-se continuidade da sua existência no Porto, durante dez anos (2000-2010), sendo simultaneamente editora independente, com relevância conseguida. Acresce que vai caracterizar-se com o mérito de benefício social atractivo: para além de um espaço de compra de livros, Paulo Samuel anunciou que haverá iniciativas de âmbito cultural relacionadas com as letras.
Os jornais Gazeta do Interior e Reconquista deram notícia desta inauguração, o primeiro jornal fazendo no texto alusão a mais um espaço cultural, o segundo convocando no título a importância do espaço: Abrir portas ao livro e à cultura. Lembro, a propósito, as palavras de Paulo Samuel no breve discurso da inauguração: «A Caixotim irá permanecer em Castelo Branco o tempo que os albicastrenses quiserem». E o querer esta Livraria vai exigir a presença de pessoas que a frequentem.
Lembro uma asserção do Padre António Vieira: «O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive». Daí o diálogo interminável com o livro num itinerário de passado, presente e futuro.
EXPOSIÇÃO OLAS E SALTITOS DE JOAQUIM MATOS,
12 DE ABRIL
Falar da Exposição de Joaquim Matos é falar de marcas de originalidade que são apanágio da sua arte. Das pinturas, dos desenhos, das esculturas emergem características distintivas da sua criação, que vai ancorar num foco inspirador e motivacional com ligação a vivências desde a infância até à actualidade. São vivências de um lugar e um tempo com forte vínculo à terra de nascimento, que no artista se enraizou, tornando-se motivo obsidiante, que se manifesta intrinsecamente ligado à criação. É evidente noutro tipo de expressão, como nos livros publicados, de que dou exemplo com Juncal do Campo – Vida e Património do seu Povo. É a terra natal de Joaquim Matos, nunca esquecida pelo artista.
A Exposição Olas e Saltitos, inaugurada no dia 12 de Abril e aberta ao público até 4 de Maio, apresentou criativamente esculturas em arame, apoiadas em pau de madeira, que ganham movimento (daí que o subtítulo da Exposição seja Esculturas em Movimento): o sol que se põe, a bilha que se enche, a bilha que se despeja, o serrador, a vindima, para falar de algumas, compondo uma nova criação sobre a criação inicial. São motivos rurais, patenteados por vivências que o artista interiorizou e exprime com amor através da arte. Nas palavras de Joaquim Matos vem a causa revelada, que é o berço de criação, que é lugar de origem, que vem plasmar-se numa forma inovadora, advindo ainda da fina sensibilidade que a técnica ajuda a exprimir. Revela o mundo que está no coração, interpretado pelos olhos da alma, também o mundo que observa com olhos físicos e transforma pela arte. A Natureza e as gentes de pequenas comunidades presentificam-se devido à pertença a um lugar e a um tempo. Assim, a inspiração é resultante dum processo de observação, reflexão, sentimento e experimentação artística, que atinge a criação para comunicar. Joaquim Matos faz uma partilha no tornar público através da Exposição, manifestando a sua visão do mundo, indiciando emoções e sentimentos. A criação artística torna-se necessidade de estabelecer relações com os outros e encontrar na sua jornada de aprendizado o crescimento através de novas descobertas num envolvimento quase poético com as suas raízes. E são as raízes que lhe dão a dimensão humana.
Da Folha de Sala distribuída no dia da inauguração, transcrevo a última parte dum pequeno poema do artista:
(…)
São obras
que
dialogam no íntimo
de cada ser.
Nas origens
descobre-se
a sublime beleza
como princípio de Arte.
Cito palavras de Bernard Shaw: «Os espelhos são usados para ver a cara. A arte para ver a alma». Na arte de Joaquim Matos encontramos a sua alma.