27 novembro 2013

Fernando Raposo
Reforma do ensino superior precisa-se, mas não a pontapé

Quando o Ministro da Educação e Ciência desencadeia o processo de Reforma do Ensino Superior, quanto ao reordenamento da rede e racionalização da oferta, o país mergulha num clima de crispação social e política de que não há memória.
As polícias, consumidas pelo desespero, manifestam-se em frente ao Parlamento, rompendo, num gesto emocional e certamente irreflectido, a protecção que os separava das escadarias de acesso à “Casa da Democracia”. Mas se este gesto pode ter algum significado, é o de traduzir, no limite, o sentimento de revolta de tantos e tantos portugueses para quem os dias de amanhã são ainda mais sombrios que os de ontem e de hoje.
Ao contrário do clima de cordialidade institucional que sempre caracterizou a relação entre os representantes das instituições de ensino superior e o ministro da tutela, Nuno Crato é publicamente confrontado com o corte de relações do Conselho de Reitores das Universidades Portugueses (CRUP). Esta atitude, inédita, só pode ser consequência da imprudência de quem se julga dono da verdade absoluta e age em nome da prepotência, da mentira ou omissão.
Não creio haver maior gesto de humilhação e perda de confiança num ministro.
É pois, com este pano de fundo, que Nuno Crato se propõe encetar uma reforma, em que os seus principais interlocutores não o consideram como confiável. Daí que a intenção do ministro, quanto ao reordenamento da rede de ensino superior, suscite, neste momento, inúmeras preocupações por não deixar antever qualquer propósito de reforço e afirmação do sistema de ensino superior público e da qualidade dos serviços que presta.
A defesa do estado social, e no caso em apreço do serviço público de educação, enquanto instrumento de distribuição mais justa da riqueza, de solidariedade e de garantia da igualdade de oportunidades, impõe-nos que não possamos ficar indiferentes sob pena de deixarmos o caminho livre à descredibilização e consequente destruição do Estado, por porte do governo. Nas palavras sábias e sempre ponderadas de Sobrinho Simões, um dos cientistas mais prestigiados e conhecidos do país “Este governo fez uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo” (Público de 22 de Novembro, p.28).
Consciente da necessidade de reajustar a oferta formativa, distribuindo-a de forma mais equilibrada e racional por todo o território nacional e de acordo com as estratégias de desenvolvimento económico, social e cultural de cada região, importa pois desmistificar algumas informações sobre o ensino superior público que alguns comentadores mais conservadores têm insistentemente feito passar como verdades.
A redução do número de candidatos, que atingiu este ano o número mais baixo (40.419) desde 2003 (41.662), não é consequência de um suposto excesso da oferta, mas antes da redução, ou como refere André Freire, do refluxo da procura. Este refluxo tem-se vindo a acentuar desde 2010, cujas causas não podem ser justificadas pelo declínio demográfico. É verdade que este é um problema com consequências dramáticas no futuro se não forem encontradas, quanto antes, respostas adequadas, mas que não justificam neste momento a redução do número de candidatos ao ensino superior. Desde logo, porque o número de alunos que este ano concluiu o ensino secundário e não se candidatou, na 1ª fase, ao ensino superior foi muito superior (57%) ao número daqueles que se candidatou (43%). Na opinião de André Freire (Público de 20 de Nov. p.54), a diminuição do número de candidatos é justificada por “factores de curto prazo”, designadamente por dificuldades económicas da maioria das famílias e pelas orientações políticas erradas da actual maioria em que o apelo á emigração dos mais jovens e dos mais qualificados é a sua marca distintiva. A descredibilização do sector público e a desvalorização dos rendimentos das profissões que requerem maior qualificação (Juízes, juristas, médicos, professores, investigadores, entre outros) explicam também o desinteresse dos mais jovens pelas formações superiores.
Acresce ainda o facto de o governo ter reduzido o apoio social aos alunos mais carenciados, afastando estes do ensino superior.
Apresentando o país índices de qualificação muito baixos quando comparado com os países da OCDE e da Europa a 21, impunha-se neste período de recessão, em que o país atinge níveis de desemprego elevados, em particular entre os mais jovens, um forte investimento no ensino superior e na ciência.
Conforme refere André Freire, citando o  Education at a Glance,  2013, da OCDE, “Portugal tinha em 2011, cerca de 15% dos diplomados entre a população com 25 e 64 anos” (Público de 20 de Novembro). Na OCDE, o valor em média era de 32% e na UE21 de 29%. Mesmo para atingir este último valor, Portugal tem um longo caminho a percorrer.
Não será de mais sublinhar que ao longo dos últimos anos, a oferta formativa foi aumentando nas instituições do litoral em prejuízo das instituições do interior. Enquanto o número de vagas nas universidades do litoral aumentou de 21.211 (76,3%), em 2000 para 23.674 (78,40%), em 2013. Nas instituições universitárias do interior, o número de vagas manteve-se praticamente constante no mesmo período (o peso das vagas representava, em 2000, 12,99%, enquanto em 2013 representava 12,25%). No Algarve e nos Açores, o número de vagas diminui, no período em análise, de 1.819 (6,53%) para 1.562 (5,17%) e de 710 (2,55%) para 657 (2,18%), respectivamente.
Quanto ao ensino superior politécnico, o número de vagas nas instituições do litoral aumentou de 12.832 (70,71%), em 2000 para 16.707 (79%), em 2013, verificando-se nas instituições do interior do país uma redução significativa do número de vagas, em igual período (5.315 (29,9%), em 2000 e 4.440 (21%), em 2013. Em síntese, por cada vaga que foi criada no litoral foi encerrada uma no interior.
Pelas razões expostas, qualquer iniciativa que vise o reordenamento e racionalização da oferta no ensino superior exige um forte consenso, mas o isolamento do ministro Nuno Crato por parte das organizações representativas das instituições de ensino superior (CRUP e CCISP), dos professores e sindicatos, inviabiliza, neste momento, qualquer possibilidade de reforma, a não ser que o ministro a pretenda fazer a pontapé.

27/11/2013
 

Em Agenda

 
29/05 a 12/10
Castanheira Retrospetiva Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video