Maria de Lurdes Gouveia Barata
A LÍNGUA PORTUGUESA E OS ERROS DOS PROFESSORES
A importância da língua assenta nas funções de representação, uma vez que a língua reflecte o mundo e o pensamento, de mediação, enquanto instrumento comunicativo e de acção e interacção. Roland Barthes dizia que «a linguagem é como uma pele: com ela eu contacto com os outros». De entre as várias linguagens poderemos assumir que a língua é a mais relevante. Alguém disse ainda que a língua de um povo é a sua alma – nela flui a cultura e a identidade desse povo. A língua é a união mais forte duma comunidade. A língua exprime um jeito de ser, o modo de encarar a vida, estruturando a nossa alma colectiva. Não se pode negar o efeito das palavras, conduzindo a acção e a interacção. Basta pensarmos na manipulação que conseguem em campanhas eleitorais, em publicidades enganosas, em boatos que se urdem e são dúvida e se tornam verdade. Basta pensarmos na perseguição aos escritores, a certos escritores, em tempo de ditadura, porque as suas palavras representam perigo. As palavras constroem e destroem, são cristal e punhal (como disse Eugénio de Andrade) e o seu perigo traz alerta no saber popular: antes escorregar do pé que da língua.
Honrar a língua, defendê-la, amá-la não se circunscreve a uma competência comunicativa, deve abrir os horizontes da competência linguística: conhecê-la e praticá-la no seu funcionamento e abrir a dimensão da Beleza que ela também proporciona.
A apropriação oral e escrita da língua envolve de um halo de aceitação e respeito quem a consegue, facilitando a inserção na sociedade, seja a nível de funções profissionais, seja a nível da relação geral com os outros. Dominar a língua implica aprendizagem, uma aprendizagem que precisa de tempo. Por isso, tem sido interrogação contínua o número de horas dedicado ao ensino do português nos programas – sempre algo discutido e nunca adequadamente executado. Igualmente o tempo para a literatura, que é situação exemplar e privilegiada para aprender. Só cabe uma nota breve (neste contexto) sobre a necessidade do latim para compreender melhor o português. O novo acordo ortográfico é uma acha mais para atear esta fogueira.
Sempre me impressionou a displicência manifestada por pessoas (e algumas com responsabilidade na área) em relação ao uso incorrecto da língua, acrescentando-se que parece só haver obrigação do seu uso correcto pelos professores de português.
A PROVA DE AVALIAÇÃO E OS ERROS DOS PROFESSORES – No seguimento do que anteriormente ficou dito, centro-me agora na informação sobre os erros ortográficos dos professores na PACC (Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos). Considero imperdoável que haja professores a dar erros na língua como um hábito, por aceite e, assim, permitido. Todos os portugueses têm o DEVER de falar e escrever correctamente a sua língua, tornando-se mais exigente o que se passa com os professores, seja qual for a área da sua actuação. À partida não considero que se verifique em professores de português. Nem venha o Ministro da Educação cantar glórias das suas razões, porque não têm fundamento. Aliás, se não fosse a negociata com o FNE para não haver greve, ele propunha que todos os professores com menos de dez anos de serviço fizessem a Prova. E se fossem quinze ou vinte anos? Ou mais? Apanhava sempre alguns. Como um pequeno exemplo, já vi, em recurso de revisão de provas, correctores (designados decerto entre os mais experientes) assinalarem de errado o que está certo na expressão linguística. Como eu disse na primeira parte deste artigo, tudo vem duma permissividade de anos de frequência da escola, desde o ensino obrigatório ao ensino superior. E não venha o Ministério da Educação dizer que esta avaliação vai «garantir a qualidade de ensino». Li uma interrogação do movimento Boicote&Cerco: «Que moralidade tem o MEC para falar em erros, se a própria prova tinha pelo menos dois erros graves?» Não li a prova, mas, caso seja verdade, temos aqui avaliadores que deviam fazer a Prova.
Amo a minha língua, sempre incentivei os meus alunos a amá-la com provas dadas no seu conhecimento e na sua prática. Todavia, não é esta prova que diferencia o trigo do joio e define os da terra desejada da competência. Já disse aqui uma vez que esta Prova, com este objectivo, poderia ter pertinência antes de se iniciar uma carreira de professor.