11 março de 2015

Elsa Ligeiro
Escrita da Terra

No poema “Castelo Branco”, Eugénio de Andrade escreve:
Com o sopro da manhã e o aroma
das frésias eu sonhava longamente.
Estamos ainda longe do território cultural que o poema “Roma” encerra:
Era no verão ao fim da tarde,
como Adriano ou Virgílio ou Marco Aurélio
entrava em Roma pela Via Ápia
e por Antínoo e todo o amor da terra
juro que vi a luz tornar-se pedra.
Mas os dois poemas pertencem ao mesmo livro: Escrita da Terra, de 1974, que transcrevo neste mês de Março, em que se celebra o Dia Mundial da Poesia, para recordar a obra e a figura humana de Eugénio de Andrade.
Há na sua vida uma dimensão ética que, infelizmente, alguns do que o conheceram não descodificaram, continuando a julgá-lo de trato difícil, quando não arrogante, porque nos breves momentos, sempre circunstanciais, que partilharam: numa escola ou numa apresentação pública de um livro; não receberam do poeta nenhum sinal de intimidade, valor tão cultivado no mundo literário actual, em que mais que a Obra se valoriza a conversa e a disponibilidade do autor para uma pose fotográfica.
Eugénio de Andrade explica-se de modo preciso numa entrevista a Arnaldo Saraiva,  em 2002, “a fama é uma coisa medonha, é pior que a lepra”,  para mais à frente acrescentar “eu não mantenho uma relação poeta-leitor”.
Alguns ainda hoje confundem esta maneira de Ser com arrogância, esquecendo-se de uma outra característica que Eugénio de Andrade admite nessa mesma entrevista: “uma das alegrias maiores que eu tenho é de admirar. Eu tenho uma capacidade de enorme admiração. Sou capaz de admirar um jovem poeta, de ficar fascinado com a sua própria poesia e de lho dizer”.
As palavras de admiração de Eugénio de Andrade por muitos dos seus pares estão registadas em poemas e textos extraordinários, sobre Luís Miguel Nava, Ruy Belo, Jorge de Sena, Vicente Aleixandre, João Miguel Fernandes Jorge, e tantos, tantos outros.
Um desses textos, um dos mais longos e sinceros, é o que dedica a Camilo Pessanha, a quem Eugénio de Andrade chama de Mestre, como, no início do Séc. XX, Pessoa a Cesário Verde.
No texto “Camilo Pessanha, o Mestre”, o autor de Póvoa de Atalaia, Fundão, fala dos poetas que o influenciaram e que foi descobrindo ao longo da sua vida; conta um episódio marcante de fraternidade que partilhou com Miguel Torga e a admiração que nutria pelo autor de Clepsidra: “enquanto a glória de Fernando Pessoa ia subindo todos os degraus, e os seus versos tornados pasto para toda a mediocridade universitária exibir um amor pela poesia que nunca teve, uma discreta aura iluminava a espaços Camilo Pessanha – e isso era um sortilégio suplementar”, escreve Eugénio de Andrade.
É também pela grande admiração que nos une a Pessanha que gosto e admiro (sem nenhuma reserva) Eugénio de Andrade.
Mas é pela escrita, toda ela luminosa, que dedica à Beira Baixa: aos frutos, sons, perfumes e movimentos deste nosso território comum, que a minha fidelidade à sua poesia é total. E para sempre.

11/03/2015
 

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