João Belém
MUITAS VEZES QUANDO DIZEMOS “TU” ISSO QUER DIZER “EU”
“A linguagem fez-se para que nos sirvamos dela,
não para que a sirvamos a ela”
Fernando Pessoa
Deparamo-nos, muitas vezes, através dos “mídia” com situações onde as pessoas usam o “tu” em vez do “eu”.
Na tentativa de compreender tal comportamento, trago-vos aqui algumas considerações sobre o assunto, que, espero ajudem a refletir sobre o mesmo.
Num estudo publicado na revista Science, Ariana Orvell, uma das autoras do artigo publicado diz que para lidar com experiências negativas ou para falar de normas e regras, as pessoas optam por usar a palavra “tu em vez do “eu”. E um método de distanciamento eficaz, conclui o estudo publicado.
“As vezes perdes, às vezes ganhas”, “quando estás zangado podes fazer ou dizer coisas de que podes vir a arrepender-te”, “quando dás um passo atrás e te acalmas, consegues ver as coisas numa perspetiva diferente”, “o orgulho pode prejudicar-te”. Estes são alguns dos exemplos usados no estudo, publicado na revista Science, que demonstra que o recurso ao “tu” no relato de uma experiência negativa pode ser uma importante ferramenta linguística que nos ajuda a distanciar e a lidar melhor com essa situação.
É um “tu” genérico e impessoal, que também usamos mais quando falamos de normas e regras. Os espectadores assíduos de futebol sabem que há algumas pessoas que se referem a si próprias na terceira pessoa do singular. Usam o ele por vezes recorrendo mesmo ao seu nome próprio em vez do “eu”.
Muitas vezes, sem o percebermos, usamos o pronome tu” não para nos referirmos ao outro mas para lidarmos com uma situação negativa pessoal, atribuindo-lhe um significado, concluiu uma equipa de investigadores do Departamento de Psicologia da Universidade do Michigan (EUA). O estudo sobre o recurso ao “tu genérico”, na língua inglesa, envolveu várias experiências com 2500 pessoas.
Ariana Orvell, uma das autoras do artigo publicado na Science, esclarece que as hipóteses formuladas nesta investigação são sobre o inglês e “não foram testadas” noutras línguas. Porém, a investigadora diz que esperaria obter “resultados semelhantes nas línguas que também utilizam um “tu genérico” se fossem feitas as mesmas experiencias.
Ora, esse será o caso do português, ainda que no Brasil este “tu genérico” tenha de ser substituído pelo “você genérico”. No estudo, vários grupos de participantes foram submetidos a testes diferentes. Uma primeira ronda de testes serviu para demonstrar que o “tu” é mais usado para expressar normas e regras da vida quotidianae o “eu” é o eleito quando se fala de preferências.
“O recurso ao “tu genérico” quando estamos a falar de uma experiência negativa permite normalizar essa experiência, estendendo-a além do ‘eu”’, refere Ariana Orvell, concluindo que, “desta forma, um simples dispositivo linguístico serve uma poderosa função de criação de significado”.
Mas será que quando usamos o “nós” não estamos a fazer a mesma coisa?
Será que não é a mesma coisa usar o “tu” ou dizer que “às vezes perdemos, às vezes ganhamos”’
Não, responde a investigadora. “Certamente que podíamos substituir ‘tu’ por ‘nós’ em algumas das afirmações, mas achamos que, quando estamos num contexto de refletir sobre experiências negativas, esse pronome não teria o mesmo efeito que o ‘tu`”. explica. Porquê? O ‘tu genérico fornece a distância necessária para a reflexão e, portanto, promove a criação de significado, enquanto, por outro lado, o ‘nós’ é coletivo, inclui-nos, e, portanto, não consegue promover a distância psicológica.”
Muitas análises haverá sobre o assunto em questão, mas espero que as perspetivas aqui trazidas por estes investigadores ajudem a algum esclarecimento.